O Titanic da vez

(Publicado pel’O Tempo, 04/10/2016)

Não está completamente certo quem afirma que a esquerda teve seu óbito declarado com o resultado do primeiro turno destas eleições. O mesmo passa a ser fato apenas quando o assunto é o PT: partindo de 630 prefeituras eleitas em 2012, o partido de Lula não passará de 260 ao fim do segundo turno.

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É verdade que anti-heróis como Eduardo Suplicy conseguiram vitórias históricas para a vereança. Com estes, parte da esquerda ideologicamente derivada do PT avançou significativamente. É o caso da REDE de Clécio (Macapá) e do PSOL de Freixo (Rio de Janeiro). Ainda assim, seu resultado em nível nacional foi pífio. Respectivamente, os partidos fizeram 5 e 2 prefeitos, além dos 80 do PCdoB, que avançou 56,9% em relação a 2012.

Isso comprova a crise de credibilidade pós-impeachment, já evidenciada pelos candidatos PTistas que preferiram mascarar a sigla ou se apresentar como “diferentes dos outros”. Ainda, reduz drasticamente as chances de Lula, caso elegível, nas eleições presidenciais de 2018.

Mas mais interessante que os derrotados, é perceber o perfil dos vitoriosos. Em primeiro lugar, não faz sentido afirmar que o brasileiro optou pelo “eu não sou político” ou pelo voto ideológico. A grande maioria do país elegeu o “amigo do amigo”, o candidato do bairro ou aquele que “tem um processo ou outro nas costas mas deixou as ruas asfaltadas nas últimas gestões”.

Ainda assim, o perfil não-político mostrou ter espaço significativo nas urnas. Foi o caso de João Dória, vencendo ao estilo Michael Bloomberg como a alternativa empresarial ao caos político; e também dos candidatos do Partido Novo, selecionados como que em um processo quase autocrático de trainee para multinacional, emplancando com Leandro Lyra (Rio de Janeiro), Janaina Lima (São Paulo), Mateus Simões (Belo Horizonte) e Felipe Camozzato (Rio Grande do Sul). Contando com eles, ganharam espaço nas grandes cidades também o Movimento Brasil Livre (oito eleitos), a Banda Loka Liberal (três) e o Vem Pra Rua (uma) – todos referência no movimento pró-impeachment.

As principais lições são mais de perspectiva futura que realidade atual. A primeira é de que a onda anti-mainstream, já evidente na Europa e América do Norte, chegou ao Brasil e dá sinais que pode se perpetuar, abrindo espaço para figuras até então desconhecidas com apelo para a renovação. O segundo, talvez principal, se relaciona ao conteúdo desta renovação. Aparentemente, não basta, como fez Marina Silva em 2014, se dizer pelo novo, pelo verde ou por bandeiras tradicionais como a educação e a saúde. O eleitor moderno, mais exigente e discrente, quer saber como o candidato pretende lutar por cada um destes motes, identificando seu nível de realismo e afinidade ideológica.

No final das contas, o resultado de 2016 se coloca como a ponta de um grande iceberg que ficará mais claro apenas em 2018. Torço para que o Titanic da vez seja a política do passado.

Quebra-quebra de Monopólios

(Publicado pelo Instituto MilleniumJornal das Montanhas e Instituto Liberdade)

Os protestos realizados em São Paulo e Rio de Janeiro, em demonstração clara da insatisfação popular contra o aumento do preço das passagens de ônibus, colocaram os governantes das duas maiores cidades do país em uma situação que nenhum político gostaria de estar: caso continuem firmes na repressão aos manifestantes e manutenção dos preços, verão o conflito se alongar por mais alguns dias e sua reputação cair ainda mais; caso cedam, estarão comprando briga com alguns dos maiores financiadores de campanhas majoritárias no Brasil e, pior, acabarão dando um cheque em branco na mão de manifestantes que, a partir daí, verão o potencial que um quebra-quebra duradouro pode atingir.

Longe de fazer juízo de valor sobre qual lado tem a razão, senti falta de uma análise que tratasse do que se passa na cabeça dos mandatários em um momento de crise como este. A decisão é realmente difícil e, acredito, seria fácil caso não envolvesse tantas variáveis – que incluem, é claro, a questão legal.

Nenhum político que se preze gosta de ver sua popularidade ir ao chão. Ainda mais no caso de São Paulo, onde o atual prefeito tem apenas seis meses de cargo e chega ao poder depois de longos anos amargados na oposição tanto da cidade como do estado. Por outro lado, a classe política sabe muito bem que, pior do que baixa popularidade, é a ausência de financiamento de campanha. Ou ainda, saber que seu opositor contará com todos os recursos que poderiam estar caindo em sua quota de publicidade pessoal.

O fato é que nenhum dos dois prefeitos voltará atrás. As empresas de transporte coletivo, muito menos, e os manifestantes, tão pouco. O que se verá nos próximos dias será o aumento da violência, gerado pelo sentimento de fracasso por conta dos organizadores das movimentações. Estes, ao perceber que o resultado está longe de ser alcançado – caso este seja realmente a redução do preço das passagens – passarão a se utilizar de todas as armas possíveis para chamar a atenção da população. Esta, preocupada com o prolongamento do caos e o aumento violência, passarão a rejeitar os protestos, resultando em um esvaziamento dos mesmos. Estes, reduzidos, serão melhor controlados pelas autoridades policiais e, em não mais do que duas semanas, terão acabado, dando lugar à novas manchetes nos principais jornais do país. Os preços se manterão altos e, em um ou dois anos, tudo se repetirá.

A questão, no entanto, é que a solução real para o problema ainda não foi sugerida por nenhum dos lados. Possivelmente nem se passa pela cabeça da maior parte dos manifestantes e gestores públicos.

Se o problema maior é exatamente o número restrito de mãos com poder de manipulação no sistema de transportes, por que, ao invés de sugerir ainda mais centralização, não optamos pela descentralização total do modelo, quebrando com o monopólio das empresas de ônibus?

Os grandes empresários, com toda a certeza, ficariam furiosos ao ver indivíduos, devidamente registrados na prefeitura e com uma mínima estrutura de conforto e segurança, transportando cidadãos de um canto ao outro da cidade por tarifas como R$0,50 ou R$1,00. É fato que, no curto prazo, haveria certa quebradeira, tanto por parte dos grandes empresários como dos pequenos empreendedores. Ainda, veríamos um número absurdo de vans e micro-ônibus rodando pelas cidades. Mas, no médio prazo, o mercado se estabilizaria e o atual poder de lobby e cartéis acabaria por dar lugar às leis de mercado, onde vale o preço que o consumidor quer pagar, em comparação com o que o empreendedor, grande ou pequeno, aceita receber.

O potencial de negociação, muito diferente do atual quebra-quebra ou dos mecanismos legais, estaria relacionado à renda e ao poder de barganha do cidadão. Ainda que lobistas e empresários pudessem perder seus empregos, por um lado, políticos descansariam em paz, ao lavar as mãos para a questão, e, por outro, os cidadãos seriam promovidos à agentes principais da formulação de preços.

Barcos e bicicletas

(Publicado pelo Correio do Povo em 15/02/2012 – Versão mais longa no Instituto Liberdade e AGAFISP)

Ano após ano, o trânsito que domina as principais estradas do país no período carnavalesco acaba por trazer à tona o quão ineficiente e caótica é a estrutura de transportes do Brasil. Seja por mar, terra ou ar, o brasileiro que decide viajar tem de se planejar muito bem para fazer a diversão de sua viagem compensar o estresse que invariavelmente passará ao tentar chegar ao seu destino.

Ao se analisar o que acontece pelo mundo, no entanto, percebe-se que a deficiência brasileira não reside na falta de ideias inovadoras, mas na aversão a seguir o que já deu certo em nações mais avançadas.

O primeiro passo para sanar tal problemática foi dado com a privatização de alguns dos principais aeroportos do país. O resultado tem sido menos caos e mais conforto para passageiros. Falta ainda uma reforma mais profunda no sistema aéreo, afinal, se é possível cruzar da Espanha ao Marrocos pagando apenas R$ 92,00 por que o valor da ponte Rio-São Paulo não poderia ser ainda menor?

A resposta para a questão esbarra na política. Conhecido por se tratar de um mercado oligopolista, o competido nicho das empresas aéreas detém um poder de lobby que consegue manter uma carga burocrática grande o suficiente para impedir que novos players se aventurem no mercado brasileiro. Com isso, a máxima econômica não falha: se a demanda é alta e a oferta é restrita, não existe forma de fazer os preços caírem.

Igualmente ocorre nas rodoviárias. Mesmo estando lotadas sempre que um feriado prolongado surge, raras são as linhas intermunicipais compartilhadas por mais de uma empresa. Sob a justificativa de que não seria viável operar em concorrência, o lobby do segmento faz com que licitações de linhas terrestres se restrinjam sempre a uma única empresa que, detendo o monopólio, tem o poder de oferecer serviços de péssima qualidade a preços acima da realidade.

Esse, dizem elas, é resultado das péssimas condições de nossas estradas que não têm avançado o suficiente em nenhum dos estados onde é mantido o controle público sobre as mesmas. Mais uma vez a solução está mais evidente do que parece: com a privatização de diversas rodovias, percebeu-se que acabar com os buracos, além de não custar nada aos cofres públicos, pode garantir o fim de alguns gargalos por onde o dinheiro público costumava desaparecer sem maiores explicações.

Cabe, no entanto, seriedade de nossos governantes tanto na hora de realizar os processos de concessão como no tocante ao cálculo de um novo IPVA que, por exemplo, permita a dedução de parte dos valores gastos com pedágios.

Nessa realidade, nosso papel é não cair no conformismo e utilizar a mídia e as urnas para promover mudanças. Do contrário, não nos restará outra opção, se não investir em barcos e bicicletas.

“Em vez de corrigir falhas de mercado, regulações servem a interesses de alguns”

(Publicado pelo Blog do Instituto Millenium na Revista EXAME)

Conforme noticiado no post com o economista Alfredo Marcolin Peringer, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará diversas denúncias de regulação indevida do Estado no mercado como a cobrança do ICMS nas vendas feitas pela internet e a obrigatoriedade de veiculação de mensagens educativas sobre trânsito em propagandas de automóveis no rádio, na televisão, em jornal, revista e outdoor. Para entender melhor o papel do Supremo no julgamento dos casos de intervencionismo, o Instituto Millenium também conversou com o economista João Victor Guedes, que é tesoureiro da Federação Internacional de Juventudes Liberais (IFLRY).

Instituto Millenium: Como você avalia a atuação do STF nesses casos?
João Victor Guedes: O assunto é muito pertinente e o fato de ter atraído a atenção do STF demonstra o quão essencial é a questão, uma vez que envolve não só os orçamentos públicos mas problemas como a sobrevivência do meio empresarial no país, os bens disponíveis para o consumidor final e até o mercado de trabalho.

Imil: Qual o interesse do governo ao criar tantos mecanismos de regulação da economia?
JVG: Tratando da questão governamental, é necessário entender a motivação dos municípios, estados e da União em regular cada vez mais. Para tal, vale perceber seus dois pilares principais: a necessidade de aumentar seu orçamento para que legisladores e executores tenham cada vez mais recursos para investir em suas bases eleitorais; e a pressão que lobistas exercem no dia a dia sobre os Poderes, fazendo com que políticos acabem se deixando levar pelos interesses de empresários que não têm a livre concorrência como objetivo, mas a dominância de mercados.

Em específico para este segundo caso, tais regulações, em vez de funcionar para corrigir falhas de mercado, acabam servindo aos interesses daqueles que já têm certa dominância no segmento e se esforçam, com a regulação excessiva, para impedir que novos players se desenvolvam como concorrentes.

Imil: Como ficam os empreendedores diante dessa situação?
JVG: Atualmente, a carga tributária do Brasil se equipara aos países nórdicos, ao mesmo tempo em que seus serviços não conseguem igualar nem mesmo os de seus parceiros pobres da América do Sul. A questão é tão absurda que, frente a um projeto de lei lançado pelo senador Renan Calheiros a fim de discriminar impostos nas notas fiscais, a crítica maior se deu pela impossibilidade de identificar todos os impostos, sendo impraticável o custo com serviços contábeis para se conhecer melhor o quanto se paga em tributos. Quem consegue manter seu próprio negócio, gerando empregos e riqueza, é um grande herói, por vencer não só no mercado competitivo mas na luta contra tributos excessivos e regulações.

Imil: De que forma as ingerências estatais no mercado prejudicam os consumidores?
JVG: Quem acaba sempre perdendo é o contribuinte, que paga impostos por todas as atividades que realiza, não vê seu dinheiro retornar como serviços públicos de qualidade e ainda acaba tendo que pagar preços absurdos para obter produtos de qualidade mediana. Neste ponto, aliás, não são poucas as análises que mostram a diferença entre preços, por exemplo, do mesmo carro no Brasil e nos Estados Unidos. Por aqui, se paga um absurdo pelo que um trabalhador de salário mínimo compraria em um ano na América do Norte.

O fim do dever de casa

(Publicado pelo Jornal do Commércio, Últimas NotíciasO Norte de Minas e Gazeta de São João del-Rei)

Já não é de hoje que sinto calafrios ao ouvir falar da política econômica francesa. O que poderia ser apenas um trauma de infância ou uma raiva reprimida desde que paguei quinze euros em um queijo quente na cafeteria do Louvre, no entanto, se mostra cada vez mais como um sentimento racional e embasado, se não cientificamente, pelo menos nas manchetes dos jornais que fazem a cobertura daquele país.

Ao que parece, tenho uma visão que em muito de aproxima à do economista Philipp Bagus que em 2010 lançou o livro “A Tragédia do Euro”, publicado em quatorze línguas, onde analisa como a moeda única, desenhada e liderada por franceses, conseguiu quebrar o continente mais rico do planeta, fazendo com que fossem à falência bancos antes considerados os mais seguros do mundo.

Entre os motivos, sugere que desde Napoleão Bonaparte, o paternalismo estatal francês é tamanho que não há limites que separem a ação do Estado às liberdades individuais do cidadão – seja ele de qual classe for. Daniel Mitchell, economista do Cato Institute, ironizou a situação atual dizendo estarmos, sem sombras de dúvidas, no apocalipse, uma vez que até a burguesia francesa – tradicionalmente tão estatista quanto os sindicalistas – começara a reclamar do tamanho excessivo atingido pelo governo.

O mestre disso tudo é o sucessor de Nicolas Sarkozy, o atual presidente François Hollande, autor do novo imposto que pretende taxar ricos em 75% (sim, 75%!) de seus ganhos. Aliás, vale abrir um parênteses sobre este caso: logo após anunciar a medida, monsieur Hollande viu Bernard Arnault – homem mais rico da França, atual dono de marcas como Christian Dior e Louis Vuitton – solicitar a cidadania belga, o que o permitiria se negar ao pagamento do imposto francês passando a pagá-lo, de forma infimamente menor, na vizinha Bélgica.

Não bastasse isso, o presidente socialista decidiu inovar no meio educacional. Apontando para a problemática social onde, segundo ele, crianças ricas tendem a se desenvolver mais por contarem com a ajuda dos pais, enquanto crianças pobres não têm a quem recorrer por seus pais não serem educados, decidiu que a melhor solução para promover a igualdade social seria banir o dever de casa.

Confesso que, mesmo se tratando da França, fiquei meio perplexo quando tomei conhecimento sobre a notícia. Ainda assim, conhecendo bem o histórico do governismo napoleônico, me preparei para o pior. E ele chegou!

Com uma breve pesquisa sobre o assunto, descobri que a medida faz parte de uma ofensiva do Partido Socialista para tentar equiparar a educação de seu país com a dos igualmente industrializados – que vem apresentando índices mais elevados nos últimos anos. Pelo que afirmam os partidários de Hollande, a idéia é fazer com que os ensinos médio e fundamental se tornem mais atrativos para as crianças, ajudando-as a melhorar seus níveis de leitura e conhecimentos científicos.

Sabendo que a proposta faz parte de um plano que almeja impactos ainda maiores na educação, tenho certo pavor de imaginar quais seriam os demais pilares a serem levantados pelo Ministério da Educação de lá.

São essas e outras que me fazem crer que nem tudo está perdido por aqui. Apesar das bizarrices do mundo político, a linha de ação de nossos governantes ainda se limita a velha e costumeira corrupção ortodoxa, sem muita criatividade ou força de vontade para fazer diferente.

Seja isso uma crítica ou elogio, o bom é que, de certo, pelo menos por aqui nossos filhos continuarão a trazer seus deveres para casa.

Uma Revolução Tributária

(Publicado pelo Jornal do Brasil, Instituto Liberdade, Leopoldinense, O Norte de Minas e Contábil Rossi)

A Câmara Federal parece ter dado uma bola dentro na última semana. Aprovou em votação relâmpago o projeto que obriga empresas a detalhar até nove impostos municipais, estaduais e federais na hora de anunciar preços ou apresentá-los em notas fiscais.

A idéia que se baseou em uma iniciativa popular que recebeu mais de um milhão de assinaturas foi proposta pelo senador Renan Calheiros como alteração ao Código de Defesa do Consumidor incluindo na lista de discriminações o ICMS, ISS, IPI, IOF, IR, CSLL, PIS/Pasep, Cofins e Cide.

É verdade que a questão não é nova, e já pode ser vista, por exemplo, em hotéis e outros estabelecimentos de turismo que discriminam preço e imposto na hora de cobrar por seus serviços. Mas, ainda assim, promete mudar muita coisa em nossa economia.

No exterior, pelo menos, foi assim que aconteceu. Lembro-me de minha primeira visita aos Estados Unidos quando, ainda criança, perguntei a uma lojista brasileira por que o preço final dos objetos não ficava estampado na vitrine. Um pouco confuso com a discriminação de taxas, insisti nos questionamentos e perguntei se o modelo não era complicado demais. A empreendedora naturalizada respondeu com brilho nos olhos: “Assim sabemos quanto vai para o governo e podemos cobrar com ainda mais confiança por sabemos que aquele dinheiro é nosso. E por aqui, você deve imaginar, os políticos realmente trabalham!”

Na hora concordei, mas só fui entender realmente do que se tratava alguns anos depois quando tive noção do tamanho da carga tributária brasileira e, ao conhecer outros países, perceber que a precariedade de nossos serviços públicos não se repetia na maior parte de nossos parceiros econômicos.

O projeto, que já conta com a repulsa do ministro da Fazenda, promete criar polêmica. A primeira delas é a viabilidade econômica de se implementar o modelo caso o projeto seja aprovado. Lucrarão, com toda a certeza, contadores e tributaristas que passarão a ser contratados exclusivamente para fazer tal cálculo sobre cada produto a ser comercializado. Perderão dinheiro, na outra ponta, as esferas públicas que verão um maior índice de sonegação, resultado da pergunta que virará clichê: “E sem imposto, quanto fica?”

O lojista, por sua vez, terá um prejuízo no curto prazo, por ter de gastar com aqueles que discriminarão seus preços, mas, com o correr do tempo, acabarão se aproveitando da medida como uma verdadeira escola sobre direito tributário e contabilidade, tendo um incentivo ainda maior para aumentar seu entendimento sobre o próprio negócio e planejar de maneira mais efetiva suas compras e vendas – principalmente quando levando-se em conta o pequeno empresário que, no cenário atual, é famoso por seu conhecimento precário sobre planejamento econômico.

Por outro lado, a questão política estará fervendo tanto no curto como no longo prazo. O efeito imediato gerado pela discriminação de preços será a revolta eleitoral: “Para onde está indo meu dinheiro?”; “Por que preciso pagar tanto se não recebo nada de volta?”; “Por que não me deixam gastar meu próprio dinheiro como eu bem entender?”; e “Quem pagará a conta do meu contador?” virarão novos clichês de nossa economia no curto prazo.

No longo, questão ficará ainda mais interessante pois esse novo dia-a-dia tributário fará com que a memória do consumidor esteja fresca na hora de eleger seus representantes. Será comum ver nos horários eleitorais gratuitos promessas de reformas tributárias, corte massivo nos impostos, simplificação do sistema e outras idéias que já há alguns anos são apontadas como fundamentais para que o Brasil alcance o tão sonhado patamar de economia desenvolvida.

Por agora, nos cabe esperar, multiplicar a idéia e pressionar, com as armas que temos, nossos representantes para que aprovem e implementem a medida à tempo de causar efeitos reais já no pleito de 2014.

Dilma Rousseff versus Norte-Nordeste

(Publicado pelo Jornal do Brasil, O Leopoldinense e O Norte)

Na contramão do que é realizado em países de grandes dimensões como Estados Unidos, Canadá e China, o Governo Federal brasileiro tem dado constantes mostras de que sua motivação centralizadora parece não ter fim.

Como já fizera em abril deste ano ao aprovar uma resolução no Senado minando a disputa interna entre os portos que, a fim de garantir vantagens comparativas, concediam benefícios fiscais para determinados produtos, a presidente Dilma Rousseff partiu agora para uma nova reforma no ICMS visando acabar com a guerra fiscal realizada pelas unidades da federação.

Na prática, isto significa que as empresas, ao decidir se instalar em estados com infra-estrutura mais debilitada – como Amapá e Roraima – pagarão o mesmo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços do que se optarem por estados como São Paulo ou Rio de Janeiro.

Absurda caso sejam levadas em conta apenas diferenças básicas como a disponibilidade de serviços públicos e a qualidade das estradas, a medida se mostra ainda mais esquizofrênica ao colocar em pé de igualdade fiscal estados com diferentes posições geográficas, nível educacional da mão de obra e até mesmo perfil do mercado consumidor e índice de preços.

Exemplificando a questão por meio de uma análise internacionalista, é possível citar o economista Philipp Bagus que, por meio de seu livro “A Tragédia do Euro”, apontou como um dos pilares para a presente crise financeira européia a centralização monetária realizada com a criação da moeda única. Embora sob aspectos econômicos diferentes – por lá, o monetário, e por aqui, o fiscal – a questão afetou exatamente a competição realizada pelos países com diferentes realidades individuais que, a partir da formação da nova moeda, perderam parte de suas vantagens comparativas, cedendo espaço para um crescimento ainda maior das já potentes Alemanha e França, ao passo que países com menor estrutura prévia, como Portugal e Itália, acabaram por perder boa parte de sua competitividade empresarial e hoje amargam altos índices de desemprego.

Por aqui, caso tal medida seja aprovada, o cenário não será diferente. Enquanto estados com uma estrutura de qualidade já estabelecida acabarão por atrair ainda mais negócios, as unidades da federação com debilitações históricas perderão uma de suas únicas vantagens comparativas tendendo a ficar cada vez mais pobres.

O resultado esperado, diferente do que aponta o governo, seria trágico tanto no curto como no longo prazo. Ao passo que no início a migração seria realizada, no sentido norte-sul, por empresas principalmente de médio e grande porte, o segundo momento poderia ser representado por um novo êxodo, na mesma direção e ainda mais perverso, composto por famílias a caminho do Sul-Sudeste em busca dos empregos que antes existiam em suas regiões.

Com esta iniciativa, a presidente Dilma mostra não somente ter se esquecido de quem a elegeu em 2010 mas, principalmente, um carinho especial e repentino pelos eleitores de Fernando Haddad e Eduardo Paes.

Mais governo ou menos impostos?

(Publicado pelo Jornal do Commercio e Instituto Liberdade)

Apesar de conhecer a imprensa brasileira, confesso ter ficado surpreso ao abrir o site d’O Globo e me deparar com a manchete “Eleições nos EUA: republicano diz que gravidez após estupro é ‘vontade de Deus’”. Embaixo desta, em fonte menos agressiva, chamadas remetiam para questões como as “gafes de Romney” e o quase divórcio de Obama e sua célebre esposa Michelle.

Tais reportes da política americana já se tornaram comuns não só nos veículos de comunicação ligados às Organizações Globo mas em boa parte dos meios de massa do país. Fala-se muito dos discursos politicamente corretos – ou incorretos – e dos deslizes cometidos em sua maioria por candidatos republicanos, mas pouco se trata do que cada partido representa para a democracia americana – além, é claro, dos impactos que a eleição de cada candidato representaria para o Brasil.

De fato, isso explica o resultado da pesquisa de opinião elaborada a pedido da rede britânica BBC que identificou um índice favorável a Obama de 65% dos brasileiros entrevistados. A justificativa, segundo eles, estaria no pacifismo projetado pelo atual presidente americano, além de sua cor – gerando maior identificação do que a do caucasiano Mitt Romney.

O que ocorre, na verdade, é um cenário relativamente diferente do que é projetado pela imprensa brasileira. Como pode ser observado durante o último debate presidencial, o candidato republicano Mitt Romney defendeu a importância de um relacionamento mais próximo com as nações latino americanas – das quais o Brasil é apontado como um dos líderes mais proeminentes – enquanto o democrata Barack Obama desviou do assunto e manteve seu discurso focado na resolução da crise financeira que afeta majoritariamente os Estados Unidos e a Europa.

Em relação às guerras, a diferença entre ambos residiu em uma típica anedota da política local: enquanto republicanos querem aumentar o poderio militar para não usá-lo, democratas querem reduzi-lo mas colocá-lo em exercício em todas as partes do mundo.

Na prática, Romney deseja aumentar o orçamento militar. Obama, por sua vez, diz não ser necessário, assumindo que o país tem força suficiente para defender Israel e atacar o Irã no momento mais oportuno – plano, aliás, compartilhado por seu rival republicano, o que demonstra que, com um ou com o outro, haverá uma nova guerra no Oriente Médio caso um milagre islâmico não faça com que Ahmadinejad encerre suas pesquisas rumo à produção de armas de destruição em massa.

A discordância, no entanto, acontece quando o tema da discussão é a recuperação da crise financeira. Obama, apesar da seqüência de planos fracassados, acredita que um maior investimento na economia poderia gerar empregos e fazer com os Estados Unidos voltassem ao patamar de paraíso capitalista. O problema, como aponta Romney, é que o democrata deseja fazer isso às custas de uma carga tributária ainda maior. Em sua discordância, o republicano acredita que a economia só irá se recuperar quando o governo parar de intervir, reduzindo impostos e permitindo que os cidadãos desenvolvam seus próprios negócios sem ter de carregar o peso de um governo excessivamente grande.

Caso a imprensa brasileira estivesse mais dedicada a prestar um serviço de educação política e informação à população, tenho a certeza de que trazendo para o Brasil este debate – de investimento público versus redução da carga tributária – acabaria por proporcionar um amadurecimento democrático muito maior do que a discussão atual em torno das gafes de Romney e do divórcio de Obama.

Como esperança é a última que morre, ainda temos uma semana de expectativas para ler a publicação de uma chamada verdadeiramente aprofundada nas primeiras páginas de nossos jornais, revistas e portais jornalísticos. Adaptando a típica conclusão dos discursos políticos americanos, que Deus abençoe os Estados Unidos da América, e a imprensa brasileira.

Eleições 2012. O que muda?

(Publicado pelo Instituto MilleniumBem Paraná e
na edição de 08/10/2012 do Jornal do Estado)

Nada. Parece clichê, mas a verdade — e muitos pesquisadores já vêm apontando — é que o resultado eleitoral, principalmente em eleições municipais, pouco tem impactado nos rumos da administração pública.

O já falecido cientista político William Riker, professor da Universidade de Rochester, foi um dos primeiros a tratar sobre o assunto ainda na década de 60 quando lançou o livro The Theory of Political Coalitions, integrando teorias de análise econômica ao meio político, a fim de mostrar que a atitude dos agentes públicos estaria mais relacionada ao seu ganho pessoal e ao fortalecimento de seu grupo do que à linha programática de seu partido.

O estudo, tendo por base a política americana, foi desenvolvido ao redor do mundo e deu origem ao que se conhece hoje como a Teoria da Escolha Pública — que se trata de uma série de análises de números e palavras a fim de identificar a motivação da classe política ao governar.

Riker, caso nascesse no Brasil, teria um prato cheio de informações para aprofundar ainda mais sua tese. Seja no nível federal, onde o Partido dos Trabalhadores copiou integralmente o modelo econômico de seu antecessor Tucano, ou no municipal, onde os partidos só mostram suas cores e seus programas durante os poucos meses eleitorais, poucos são os políticos que realmente imprimem em seus mandatos uma marca independente e ideologizada.

O fato é que, como o eleitor já percebeu, boa parte dos agentes políticos age com base em pesquisas de opinião e em respeito aos interesses daqueles que financiarão suas futuras campanhas — ambos fatores que permanecerão os mesmos independente de quem esteja no poder.

É por este motivo que, mesmo tendo 29 partidos políticos à disposição do eleitor, temos ouvido cada vez mais a típica frase, “este ano está difícil escolher em quem votar…” — outro clichê de nosso meio político.

No entanto, nem tudo está perdido. Diferente do que acontecia nas últimas décadas, temos visto uma forte movimentação da sociedade civil, que vai desde a mobilização independente via Facebook até o lobbysmo das organizações literalmente não governamentais – aquelas sem financiamento público nem intervenção partidária.

Tais atividades vêm moldando um comportamento mais crítico do cidadão que, apesar de péssimo eleitor — por falta de vontade e de opções — tem conseguido pressionar os poderes públicos a se guiar de forma mais ética do que no passado. O reflexo é nítido e pode ser visto na busca constante pela austeridade no Governo Federal — incluindo a privatização dos aeroportos — e o uso eficiente da Cidade da Música no Rio de Janeiro — antes alvo constante de políticos de todos os grupos adversários a Cesar Maia.

Ainda que votar seja importante, estamos descobrindo cada vez mais que o “show da democracia”, como gostam de bradar políticos das mais diversas ideologias, se faz não de quatro em quatro anos durante eleições, mas todos os dias, quando o cidadão, por diversos meios, expressa sua opinião e força agentes públicos — independente de seus partidos — à se guiar pelo caminho da moralidade, da austeridade e do respeito ao indivíduo.

Brasil deve planejar economia a longo prazo para crescer

O PIB cresceu 0,4% no segundo trimestre desse ano, na comparação com o primeiro, e 0,5% em relação ao mesmo período de 2011

Mariana Branco da Agência Brasil (republicado pela Revista EXAME)

Para sustentar nível satisfatório de crescimento, o Brasil precisa realizar mudanças na economia que se sustentem a longo prazo. A avaliação é do economista João Victor Guedes. Para ele, o governo está focado em bons resultados no curto prazo e toma medidas imediatistas.

Por esse motivo, diz, o país cresce a taxas abaixo dos demais membros do grupo Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul), formado por países cujas economias estão em ascensão.

O economista faz parte do Instituto Milenium, uma organização da sociedade civil formada por intelectuais, empresários e acadêmicos para estudar a economia e os valores da sociedade brasileira.

João Victor Guedes avaliou o crescimento da economia brasileia porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado trimestral do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

O PIB cresceu 0,4% no segundo trimestre desse ano, na comparação com o primeiro, e 0,5% em relação ao mesmo período de 2011. No semestre, houve variação positiva de 0,6% e, no acumulado de 12 meses, a economia cresceu 1,2%. Em valores correntes, a soma das riquezas do Brasil ficou em R$ 1,1 trilhão no segundo trimestre de 2012.

O economista destaca que o crescimento trimestral do PIB foi sustentado principalmente pela agropecuária, que avançou 4,9% frente aos primeiros três meses do ano.

Ele ressalta que a atividade vai bem em função das exportações, sustentadas pela desvalorização cambial promovida pelo governo e pela queda da produção em outros países – principalmente os Estados Unidos, que enfrentam uma seca – e a consequente alta no preço.

Guedes chama a atenção para a natureza temporária de políticas nacionais de estímulo ao consumo, como a desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que incide sobre carros, móveis e artigos da chamada linha branca.

“O Brasil precisa fazer reformas perenes, que o preparem para o crescimento que quer ter. A primeira e mais importante seria a reforma tributária, com uma carga [de impostos] que não seja punitiva para o produtor e para o próprio trabalhador. Isso traria um aumento natural do consumo”, analisa.

Para o economista Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB), a meta de crescimento para 2012 anunciada pelo Ministério da Fazenda de 4,5% está “fora da realidade”.

Ele acredita que a variação do PIB ficará abaixo da projeção mais modesta do Banco Central, de 2,7%. “Considerando que no primeiro semestre [o PIB] cresceu 0,6%, acredito que a gente corra o risco de crescer menos de 2% no ano”, opinou.

Para Piscitelli, os números mais preocupantes referem-se à indústria, que registrou queda de 2,5% no segundo trimestre de 2012 na comparação com o primeiro.

“Há um processo de queda continuada. O que ainda está sustentando o aumento do PIB é a alta do consumo, mas esse é outro dado que preocupa. O investimento e o consumo governamentais estão chegando ao seu limite. Está-se falando muito em recuperação e em retomada [da economia aquecida], mas o cenário não está muito claro”, avalia.

Vladmir Putin, Pussy Riot e a nova União Soviética

(Publicado pelo Jornal do Brasil e Jornal do Commercio)

Costumo frisar, em boa parte de meus artigos sobre as relações internacionais, que um dos pontos mais importantes de se entender o comportamento externo das nações é que, tão logo as oportunidades surjam, tais medidas serão reproduzidas em gênero, número e força, no âmbito interno. A Rússia, infelizmente, vem sendo um dos maiores exemplos práticos a confirmar esta teoria. Sua firme defesa a regimes como o do líbio Muammar al-Kaddafi e, mais recentemente, ao sírio Bashar al-Assad dava uma amostra de que, ao concordar com ditaduras externas, um futuro antidemocrático poderia estar reservado para a superpotência do Oriente caso Vladmir Putin e Dmitry Medvedev permanecessem em seu comando.

Dito e feito. Não bastasse a costumeira truculência da Politsia russa ao enfrentar as manifestações que se tornaram comuns no país face à recente e duvidosa recondução de Putin ao poder, a justiça agora também parece estar sendo guiada pela nostálgica saudade do modo soviético de controlar a opinião pública. Além do caso clássico do magnata Mikhail Khodorkovsky, preso em 2004 ao se opor radicalmente ao regime vigente, chegou a vez de o absurdo totalitarista atingir o meio musical ao impor pena de dois anos de reclusão para as três artistas da banda punk Pussy Riot.

O caso, que chocou o meio artístico rendendo cartas de manifestação de ídolos como Madonna e Paul McCartney, foi motivado por um videoclipe gravado pela banda russa em uma igreja ortodoxa, sem a permissão do clero, onde a banda cantava versos, em tom de oração, como “Virgem Maria, Mãe de Deus, nos ajude e coloque Putin pra fora”. O ato fazia parte de uma campanha na qual a banda pretendia realizar uma série de performances públicas e pacíficas para fortalecer a participação feminina na política russa. O problema, no entanto, foi ter iniciado sua trajetória não só na maré contrária ao proto-ditador Vladmir Putin mas também invadindo espaço religioso e ofendendo quem pouco tinha a ver com a história.

Como Mark Adomanis relata em matéria para a revista Forbes, não foi difícil para que o Kremlin utilizasse seu controle sobre os meios de comunicação para jogar boa parte da população contra o grupo musical. Segundo pesquisa realizada logo após o início do processo, apenas 5% da população acreditavam que nenhuma punição deveria ser dada ao grupo, enquanto 29% sugeriam trabalhos comunitários, 20% uma alta multa e 19% uma pena de reclusão superior a dois anos.

O caso é que, com o apoio de uma boa parte da opinião pública, não foi difícil para que a Justiça russa utilizasse mecanismos soviéticos para dar um recado àqueles que pretendessem realizar manifestações similares. Entre os métodos, constaram a inclusão de acusações que foram mantidas em sigilo até mesmo para as próprias acusadas, uma prisão prematura sem o prévio direito a defesa e a recusa dos juízes em aceitar boa parte das evidências apresentadas em favor das roqueiras.

No final das contas, o fato é que Putin e seu partido estão cada vez mais acostumados ao poder e, apesar de não serem consenso, boa parcela da população parece não se importar com seu crescente autoritarismo. O perigo, para nós, é a forma com que isto será reproduzido na política externa, onde russos buscarão legitimar-se ao garantir um trampolim para ditadores como Ahmadinejad, Hugo Chávez e tantos outros que, na contramão da democracia, tendem a criar ainda mais problemas para o avanço da paz e da qualidade de vida global.

Um verdadeiro revolucionário cubano

(Publicado pelo jornal Hoje em Dia em 25/07/2012)

Confesso ter ficado perplexo ao ter notícia na noite deste domingo (22) do falecimento do cubano Oswaldo Payá. A forma com que se deu a fatalidade certamente contribuiu para o sentimento. Quem imaginaria que, em uma ilha onde os veículos mais novos são da década de setenta, um acidente de carro poderia matar um de seus mais notórios ativistas dos direitos humanos?

Tomei conhecimento do fato pelo Twitter da também militante Yoani Sánchez. Em uma de suas primeiras mensagens, por volta das dezoito horas no fuso de São Paulo, afirmou ter conversado com Ofelia Acevedo, esposa de Payá, tendo confirmado a existência de um acidente de carro em La Cabina.

Uma hora depois, publicou mensagem notadamente emocionada: “Todavia tengo la esperanza de que sea un malentendido, un error. No puede ser!!!Oswaldo Payá no puede haber muerto!!!!!!!” A partir daí, a notícia se espalhou e passou a ser veiculada na primeira página dos principais portais de notícias do planeta. Nada diferente do esperado, dado a expressividade de seu trabalho pela democracia em Cuba.

Meu primeiro contato com a história do ativista aconteceu em agosto de 2009 quando fui convidado a integrar o grupo de trabalho para Cuba da International Federation of Liberal Youth. Desenvolvíamos um serviço voluntário de cooperação que integrava diversas organizações não governamentais internacionais a grupos da resistência cubana, como o Movimiento Cristiano Liberación (MLC) – fundado por Payá – e a hoje extinta Coalición Martiana Juvenil.

O destaque do MLC, no entanto, era notório. Tiveram sua primeira grande aparição há exatos dez anos, quando seu líder entregou em mãos ao ex-presidente americano Jimmy Carter uma carta contendo mais de dez mil assinaturas em apoio ao Proyecto Varela, cujo mote principal era a instauração de uma nova constituição democrática na ilha.

Além disso, o movimento foi desde seu início grande entusiasta da militância juvenil – motivo que me permitiu trocar duas breves mensagens virtuais com seu então líder Oswaldo Payá, que dedicava boa parte do seu tempo exatamente com o trabalho de conscientização de jovens estrangeiros para que pudessem convencer seus governos a pressionar o Regime Castrista para que tomassem um caminho rumo às liberdades civis.

O cenário em que se passou a morte de Payá, alias, é uma prova deste engajamento. No momento do acidente, estavam em seu carro os jovens Aron Modig e Angel Carromero, respectivamente presidente nacional da Juventude Democrata Cristã da Suécia e presidente do Nueva Generaciones – ala jovem do Partido Popular Espanhol – no departamento de Salamanca. Ambos com menos de 30 anos e que, apesar da falta de informações sobre o assunto, parecem estar fora de perigo.

Ainda assim, apesar da perda irreparável, a morte de Oswaldo não tira o brilho do Movimiento Cristiano Liberación. Pelo contrário, aumenta a força de vontade de seus militantes e coloca novamente na pauta da comunidade internacional o dia-a-dia da ilha caribenha.

Casado e pai de três filhos, Payá acreditava na força da família – e não do Estado – para educar as crianças e jovens de seu país. Diferente de Fidel e Raúl Castro, via na liberdade a força motriz para o desenvolvimento de Cuba. Defendia a vida e foi um dos maiores críticos das prisões e assassinatos políticos cometidos pelo regime ditatorial que permanece intocável no governo da ilha desde 1959 – cinco anos antes do golpe militar brasileiro que já teve fim há 27 anos.

Assim sendo, tenho plena certeza de que este triste acidente representará um incentivo a mais para os que vislumbram uma verdadeira revolução em Cuba.

Como disse em mensagem enviada no dia 7 de setembro de 2009, data de nossa independência, “su trabajo, proyectos y palabras son un estimulo para la lucha pelos derechos humanos y la democracia. ‘Una nueva luz, la de la paz, se levantará’. Parabién por su heroísmo, señor Payá!”.

Um golpe de mestre no Mercosul

(Publicado pelo Jornal do Brasil)

A esquizofrenia política que parece ter tomado conta da diplomacia latina tem cada vez surpreendido mais aqueles que acreditam nas relações internacionais como um meio para se promover direitos humanos e qualidade de vida. Nunca antes na história deste país, parafraseando nosso ex-presidente, se viram tantos lobos em peles de cordeiro como neste período pós-impeachment paraguaio.

Antes de passar aos fatos, no entanto, gostaria de levantar alguns conceitos teóricos que poderão auxiliar para que se obtenha um entendimento pleno sobre o que vem ocorrendo em nosso continente. O primeiro deles se dá pela motivação original que levou os povos, ainda nos primórdios da humanidade, a se relacionar com diferentes civilizações: a maximização da qualidade de vida. É indiscutível, seja na escola do pensamento que for, que esta fora a motivação para qualquer relação intercultural que tenha ocorrido no passado e, ainda hoje, pauta teóricos realistas, liberais, contratualistas ou construtivistas – entre outras correntes internacionalistas.

Outro ponto de consenso é que cada governo reproduz no exterior aquilo que prega nacionalmente. Isto significa que, no mundo da diplomacia, não existe ponto sem nó e, para cada passo dado por um chanceler, existem toneladas de motivações domésticas oriundas tanto de seu presidente como dos demais líderes dominantes.

Uma terceira questão, sendo esta a mais importante, é que não existe modelo econômico vigente – por mais socialista que seja – que não tenha interesses financeiros ou que não dependa destes para garantir sua subsistência. Entendendo estes fatores, faço um convite ao leitor para que se teletransporte mentalmente para o Paraguai do início do século 20, período que ainda tentava se reconstruir da devastação proporcionada pelo belicismo brasileiro. Foi nesta época que fora fundado o Partido Liberal, embrião da agremiação que assumiu a Presidência do país pela primeira vez no dia 22 do último mês.

Vivendo em um país sem ligação com o mar e cujo maior vizinho havia sido um dos principais motivos por sua extrema pobreza, a única alternativa de seu povo fora o desenvolvimento agrário – ainda que sem muitas vantagens comparativas devido ao relevo desfavorável do país. Tal cenário, algumas décadas após, não havia mudado muito, e, apesar das relações regionais terem sido reconstruídas, a qualidade de vida da população permanecera a mesma.

Foi nesta realidade que, guiados pela instabilidade interna e auxiliados pela onda ditatorial da América do Sul, os militares paraguaios implantaram uma ditadura que se iniciou vinte anos antes da nossa e veio a acabar em conjunto – com uma singular diferença: por aqui, a Arena deixou de existir em 1985; por lá, o Partido Colorado permaneceu existindo e se reelegendo até 2008. Foi neste ano que as esquerdas e as direitas decidiram montar um bloco partidário forte o suficiente para enfrentar de igual para igual os descendentes políticos do general Alfredo Stroessner. Tal bloco fora composto pelo esquerdista Fernando Lugo, ex-bispo da Teologia da Libertação e então candidato à Presidência, e Federico Franco, candidato a vice e presidente do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) – cuja origem residia no supracitado Partido Liberal.

Vale, neste ponto, abrir um parêntese sobre o PLRA: tive a oportunidade de me relacionar no último ano com os líderes de sua juventude, quando se preparavam para organizar um megaevento que reuniria 10 mil jovens filiados. Tal número, embora houvesse me fascinado, era algo corriqueiro para seus eventos anuais. Pelo que fui conhecer logo depois, o PLRA havia sido re-criado ilegalmente em 1978 – mesmo ano em que Federico Franco, o atual presidente, havia se filiado, com apenas 16 anos de idade.

Sua intenção era reunir liberais de esquerda e direita para apresentar uma alternativa aos generais do Partido Colorado. Não foram bem sucedidos eleitoralmente, mas conseguiram montar uma agremiação política que não só mudou o país mas atingiu a cifra de 800 mil filiados em uma nação de 8 milhões de habitantes. Os números não só falam por si como justificam o sucesso eleitoral obtido em 2008, quando a dobradinha Lugo-Franco – algo como se Lula e FHC estivessem compondo chapa – quebrou as seis décadas de supremacia colorada. No entanto, a união não durou muito tempo e, já no início, ambos deram sinais de que não estavam dispostos a ceder aos interesses alheios.

Fernando Lugo, que assumira a posição de telhado de vidro principalmente devido ao seu temperamento, acabou sofrendo graves perdas de popularidade graças tanto a escândalos pessoais, como a aparição de quatro filhos oriundos do período de seu bispado – sendo dois já reconhecidos –, como ao fracasso econômico – visto pela esquerda com a ausência de uma reforma agrária e pela direita, uma vez que o crescimento estava bem abaixo do atingido pelas demais nações da região.

Foram estes, somados a uma disputa de terras que resultou em 18 mortes, os pilares que acabaram por consolidar a movimentação legislativa que promoveu seu impeachment. Como se pode ver mais uma vez pelos números, não foi uma simples maioria mas 73 deputados contra um que votaram pela destituição do presidente Lugo dada a sua ineficiência governamental. Com este resultado fica difícil culpar movimentações às escuras de grupos específicos – sejam eles quais forem.

O que domesticamente fora uma medida comum, legitimada inclusive pelo presidente destituído e seu advogado, externamente fez brilhar cifrões nos olhos de diversos governantes. A motivação latina, antes ofuscada, se tornava cada vez mais clara: calar o único país que se colocara contra a entrada da Venezuela no Merosul fazendo com que o processo de entrada de Hugo Chavez no bloco fosse garantido. O primeiro passo fora o ataque diplomático por meio da Unasul e do Mercosul, que intitularam a medida constitucional como golpe político e tentaram despertar a ira da comunidade internacional sob a justificativa de que o processo havia sido rápido demais. Levando em conta um dos conceitos que levantei no início deste artigo, credito tal movimento à cultura política brasileira que leva décadas para julgar crimes do regime militar e, com direito a pedido pessoal do ex-presidente, tenta protelar ainda mais a conclusão do caso do mensalão. Afinal, a qual político interessa uma justiça rápida e eficaz contra líderes corruptos e ineficientes?

Em segundo lugar, utilizaram-se deste discurso para bloquear a participação do Paraguai nas deliberações do Mercosul pelo período que durasse o governo de Federico Franco – ou seja, nove meses. A motivação, como fica claro e já fora citado, é facilitar a vida da Venezuela. Assim sendo, assumirão eles – Cristina Kirchner, José Mujica e Dilma Rousseff – o título de golpistas caso votem, neste período de exceção, a entrada do país de Chavez no bloco. Neste cenário, fica difícil acreditar nos que defendem a tese de um impeachment orquestrado pela multinacional americana Monsanto – até porque não havia nenhuma indicação de que Fernando Lugo usaria seus últimos meses para implementar uma reforma agrária que havia sido adiada desde sua posse. Por outro lado, torna-se fácil perceber o quanto influenciou os líderes latinos a possibilidade de se aproximar ainda mais dos petrodólares venezuelanos que já vêm, há algum bom tempo, financiando movimentos esquerdistas na região.

Julgando por isto, vemos que o trabalho dos diplomatas sul-americanos têm se destinado a tudo, menos a maximizar nossa qualidade de vida.

A inelasticidade da fé

(Publicado pelo Jornal do Brasil, Jornal do Commercio e Panorama Brasil)

Costumo dedicar meu tempo para escrever sobre atrocidades cometidas por ditadores como Mahmoud Ahmadinejad, Bashar Al Assad e Viktor Orban, mas meu choque ao tomar conhecimento do mais novo absurdo religioso ocorrido no Brasil foi tão grande que me motivou a voltar minhas atenções para o cenário doméstico. Por meio de um debate religioso exibido em TV aberta durante a tarde da quarta-feira (4), assisti ao relato de um suposto parto realizado em uma seguidora da Igreja Universal do Reino de Deus do Amazonas que, sendo diagnosticada como engravidada pelo diabo, havia dado à luz  três caveiras de brinquedo. Segundo relatos do pastor, sustentado pela mãe da dita vítima, a causa do incidente teria sido seu afastamento da igreja – época em que teria ficado grávida de trigêmeos e sofrido diversas dores oriundas de possessão demoníaca.

O fato, justificado pelo orador como um trabalho de vodu, teria sido solucionado por um dos líderes da Iurd, pastor Sérgio Correia. Longe de entrar no debate da disputa pela fé, realizado pelos mega-empreendimentos protestantes que vêm conquistando cada vez mais fiéis, o ocorrido merece uma atenção especial não só da sociedade mas, especificamente, de nossas autoridades – teoricamente responsáveis por iniciativas que visem evitar que oportunistas tomem de assalto nossa população.

É notório que, apesar dos excessos, as religiões representaram e continuam a representar um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento de nossos valores sociais. É indiscutível, por exemplo, a influência da moral cristã para a construção de nossa sociedade atual e, nos dias de hoje, a importância dos trabalhos sociais realizados por igrejas de todos os credos em questões como o combate às drogas e à inclusão social. Não só isso, a liberdade religiosa acaba por ser um direito humano adquirido por toda a população que, podendo se reunir e expressar sua fé, tem na opção do credo um dos pilares fundamentais para sua liberdade de expressão.

No entanto, deve-se lembrar que não existe liberdade sem responsabilidade. No intuito de garantir a expansão religiosa, tanto para consolidar a liberdade de expressão como para ter nas igrejas uma base de sustentação não governamental para ações sociais, garantiu-se uma série de benefícios financeiros – como isenções fiscais e subvenções orçamentárias – que transformaram a religião em um negócio altamente lucrativo. As vantagens deste empreendimento acabam sendo incomensuráveis, uma vez que, além da clientela extremamente fiel – chamada por nós, economistas, de inelástica – e dos benefícios fiscais, as igrejas se transformaram em uma mina de ouro para políticos, contando com um apoio parlamentar, grande o suficiente para que pudessem se blindar contra acusações judiciais e investigações policiais.

Com raras exceções, o poder financeiro e político obtido por seus líderes religiosos acabou transformando-os em pessoas a cima da lei. É o caso do líder da Iurd Bispo Macedo, cujos escândalos envolvendo seu nome são tão grandes quanto a sua impunidade. A fim de zelar pelo uso responsável da liberdade de expressão e pela não banalização da fé, cabe às nossas autoridades investigar e oportunamente punir não somente crimes financeiros de grande porte mas, principalmente, delitos cometidos no dia a dia, quando sublíderes religiosos ludibriam cidadãos que, carentes de educação e alternativas, caem na tentação de acreditar no impossível.

Paraguai: Crise Política ou de Valores?

(Publicado também pelo Jornal do BrasilOpera Mundi [UOL], Jornal do Commercio e O Norte de Minas)

A crise política despertada na América do Sul com o impeachment do então presidente paraguaio Fernando Lugo tem convidado diplomatas e eleitores para uma reflexão que deve se estender não somente ao campo jurídico, mas, principalmente, à nossa cultura política e às relações exercidas por nossas nações em nível internacional.

Tive a oportunidade de conhecer de perto, no ano passado, algumas jovens lideranças do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) que ocupava a vice-presidência do Paraguai e, com a saída de Lugo, chegou ao poder com Federico Franco no dia 22 deste mês. Tal proximidade com os ditos liberais radicais – e o conhecimento de seu entendimento histórico – me fez ter uma avaliação ligeiramente diferente daquela feita tanto pelo Itamaraty como por boa parte da diplomacia de nossos parceiros regionais.

O primeiro ponto a ser levantado é, notoriamente, a questão histórica dos movimentos políticos paraguaios.

Apesar do nome, o PLRA está longe de ser um partido radical ou, até mesmo, meramente liberal. Fundado na ilegalidade em 1978, remontava a história do Partido Liberal criado ao término da guerra com o Brasil e que se colocava como alternativa para a reconstrução do país. Em sua refundação, o ideal era semelhante: constituir uma possibilidade de mudança, a partir da agregação de liberais de esquerda e direita, em um cenário onde o país era dominado pela ditadura do general Alfredo Stroessner.

Federico Franco, então com 16 anos, filiou-se ao partido e foi, desde seus tempos de estudante, um dos principais líderes tanto de seus blocos juvenis como seniores, acompanhando de perto o desenvolvimento ideológico de sua agremiação.

Viu a massificação do partido que hoje possui mais de 800 mil filiados (cifra considerável para um país que não passa dos sete milhões de habitantes). Viu também sua diversificação de idéias, levada pela incrível ascensão quantitativa, incorporando conservadores, libertários, liberais de direita, de esquerda e social democratas. Apesar de sua amplitude, Franco nunca havia visto o PLRA chegar à presidência.

Em 2008, como presidente do partido, aceitou se juntar ao esquerdista Fernando Lugo para quebrar a hegemonia do Partido Colorado – que se mantivera no poder desde 1947.

Aderente da Teologia da Libertação, o ex-bispo católico Lugo foi eleito para resolver as mazelas sociais do país mais pobre do Mercosul. No entanto, o que se viu foi uma série de crises envolvendo tanto suas políticas públicas como sua vida pessoal. Entre elas, a aparição de pelo menos quatro filhos – dois já reconhecidos – referentes ao período de seu bispado representaram um choque para o eleitorado mais conservador.

Na outra ponta, os movimentos sociais se rebelaram ao ver chegar o último ano de seu governo sem que tivesse sido dado nenhum passo rumo à reforma agrária. Pelo contrário, a repressão havia aumentado e no meio deste mês 17 pessoas haviam morrido em uma disputa de terras a 250 quilômetros de Assunção. Este fora o estopim para a crise política.

Tendo conquistado a rejeição de blocos políticos que iam da extrema direita à extrema esquerda, Fernando Lugo se viu em meio a um processo constitucional de impeachment que, em um tempo recorde, depôs o presidente e colocou o líder do PRLA, Franco, à frente do país.

Sobre a movimentação, é importante salientar dois fatos: o primeiro é que, dado ao histórico político paraguaio, sua constituição dá poderes extremamente limitados ao presidente, que deve se submeter ao congresso para a maior parte de suas decisões – diferindo bastante se comparado aos demais países latinos. O segundo é que o ex-presidente Lugo não só legitimou o processo de impeachment como aceitou a transferência de poder a Federico Franco – diferente dos governantes da Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela, que bradaram por sanções contra o país.

Levando em conta que os líderes de todos os países citados figuram na coluna da esquerda e têm promovido políticas controversas sob o ponto de vista dos direitos humanos, seu posicionamento já era de se esperar. O bizarro, no entanto, foi sua justificativa: a velocidade do processo.

Trazendo o debate para o Brasil, talvez estivessem esperando algo ao nosso modo: algumas décadas para se investigar os crimes do regime militar e mais alguns anos de espera para que o mensalão fosse julgado – com direito a pedido de protelamento feito pelo ex-presidente e tudo. Parece que, pelo menos na reprodução externa do que ocorre internamente, nossos diplomatas estão sendo bem sucedidos.

A Mal-Sucedida Ocidentalização do Oriente

(Artigo publicado pelo Instituto Liberdade e no jornal Estado de Minas)

Enquanto as atenções dos editoriais de política internacional se voltam para a sucessão do regime comunista da Coréia do Norte, a conturbada realidade iraquiana dá sinais de que, mesmo com a ocupação americana, a estabilidade nacional está longe de ser atingida.

Na noite desta segunda-feira (19), apenas um dia após a retirada das tropas de Obama, as autoridades locais emitiram um pedido de prisão para o vice-presidente Tariq Al-Hashimi, acusando-o de dirigir um esquadrão da morte que assassinou uma série de oficiais e burocratas de alto escalão do governo.

O fato, que dividirá políticos e imprensa nos próximos dias, é que não se pode afirmar se a decisão foi baseada em acusações reais ou motivada pela disputa de poder entre o bloco xiita, atualmente na presidência com Nuri Kamal Al-Maliki, e o sunita, liderado por Al-Hashimi.

Tal disputa, alias, é resultado mais do que esperado para o regime de exceção que vive o país após a queda do ditador Saddam Hussein. A diferença, no entanto, é que agora os iraquianos não contarão mais com o suporte dos militares ocidentais para conter suas crises.

A contenção, como se sabe, foi constante nos últimos oito anos. O papel exercido pelos americanos, muito mais do que a mera manutenção da segurança pública, foi também o de coordenar a controversa imposição de um regime democrático em um país fragilizado por uma ditadura violenta que vigorou por 24 anos.

Em linhas gerais, os iraquianos tiveram 19 meses para re-estabelecer todo o seu sistema partidário e eleger, em outubro de 2005, o governo que seria responsável pela condução do país a uma versão ocidentalizada da política árabe.

O resultado foi a eleição de uma coalizão entre os maiores opositores do país, colocando um xiita na presidência e um sunita como vice, enquanto seus blocos de sustentação – partidários e milicianos – lutavam pela dominação do país.

Hoje, como temem os parlamentares do bloco sunita Iraqiya, a situação se aproxima da maior crise política vivida desde o início da redemocratização do país sob o risco de que uma onda de acusações seja direcionada para todos os que não estiverem alinhados com o presidente Al-Maliki.

Culpados existem aos montes, mas a parcela da opinião pública do ocidente é elevada. Se a imposição de qualquer modelo político norte-americano criaria gargalos e crises no Brasil, imaginem o impacto da ocidentalização das relações de poder em uma nação oriental que respira conflitos desde o inicio da civilização suméria ainda quatro milênios antes de Cristo.

Por mais que a democracia representativa soe como um dos padrões universais impecáveis a ser seguido por todos os povos, é fundamental que a opinião pública entenda a necessidade de se respeitar a cultura local quando se deseja prestar qualquer tipo de auxílio internacional. Caso contrário, como pode ser visto, o resultado tende a ser catastrófico.

Agora, apesar da lição, caberá à comunidade internacional do ocidente decidir qual será seu próximo passo: uma nova intervenção, o distanciamento progressivo ou um meio termo que leve em consideração o histórico árabe.

Entrevista (comentada) do senador José Agripino

Entrevista concedida pelo presidente nacional do Democratas, senador José Agripino, ao jornal O Tempo (Minas Gerais).

Perguntas em vermelho, respostas em preto e comentários meus em [azul].

O DEM É UM PARTIDO QUE DIMINUIU DE TAMANHO AO LONGO DO TEMPO: PERDEU REPRESENTAÇÃO TANTO NOS GOVERNOS ESTADUAIS QUANTO NO CONGRESSO NACIONAL. POR QUE ISSO ACONTECEU?

O DEM pagou o preço por ter exercido o papel de ator coadjuvante nas alianças com o PSDB. O partido abriu mão, em vários momentos, de disputar governos estaduais e prefeituras para favorecer a vitória do aliado. A mesma coisa aconteceu no plano nacional. E isso fez com que o partido perdesse o papel de protagonista, cedendo espaço ao PSDB, que foi um parceiro leal, mas que, no decurso do tempo, fez com que nós perdêssemos espaços.

[O senador dá sinais de que o DEM está pronto para seguir carreira “solo”. O discurso pode ter dois sentidos: (1) sentir a reação da imprensa/eleitorado em relação a empreitada independente, e/ou (2) avisar ao PSDB que espera um “tratamento melhor” para continuar na parceria]

O DEM errou ao ter escolhido esse caminho?

As circunstâncias nos condicionaram a isso. Essa foi uma opção feita desde a fundação. O PFL foi criado para fazer a transição democrática, com a eleição de Tancredo. Tancredo morreu, assumiu José Sarney, que compôs o governo. Em seguida, nós participamos de disputas alinhados com Fernando Henrique Cardoso, por conta de afinamentos programáticos que tínhamos. Então, as circunstâncias de disputas eleitorais, em função de afinidades programáticas, nos levaram a compor uma chapa. Eles eram mais fortes, tinham candidato a presidente da República com mais chances de ganhar, nós oferecemos o vice e seguimos junto com o PSDB. Não foi o caminho errado, foi o caminho possível.

[Um recado claro ao senador Aécio Neves, reforçando a dívida histórica pela eleição de seu avô]

Em 2009, o partido viveu uma de suas piores crises, que ficou conhecida como “mensalão do Democratas”. Esse episódio já está superado?

Sim. Nós fizemos o que nenhum partido fez. Nós tomamos a iniciativa de expulsar o nosso então principal quadro, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, que, do ponto de vista administrativo, ia se conduzindo muito bem, mas que foi apanhado num flagrante atentado à ética. O DEM não hesitou pela sua expulsão em rito sumário. Cadê que o PT toma iniciativa semelhante? Quantos partidos acusados de prática de improbidade por próceres importantes tomam a mesma iniciativa? Para nós, esse assunto ficou encerrado, mas a imprensa, com a repetição da menção permanente do termo “mensalão do DEM” – que nunca foi mensalão do DEM, mas do governo do Distrito Federal -, prejudicou a imagem do partido.

[Como já era esperado, o senador reforça a postura do partido que, em caso de candidatura própria em 2014, baterá na tecla da ética por ter sido o único a cortar na carne. A bandeira é válida também para as eleições nas capitais em 2012]

Recentemente, o DEM também perdeu parte de seus quadros para o PSD. Qual foi a consequência disso para o partido?

O PSD foi criado com integrantes do DEM que tinham compromissos com si próprios, não tinham o compromisso partidário. Então, eles se foram e ficou o partido com a sua essência. Quem ficou no DEM – a maioria de seus líderes – ficou com o prestígio e a história. Então, prejuízo numérico existiu sim. Qualitativo, não.

Quando do surgimento do PSD, muitos parlamentares afirmaram que a tábua de salvação para o DEM seria a fusão com o PSDB. Essa é uma possibilidade?

Esse assunto não está na nossa pauta.

[Mas pode estar… Retorno mais adiante]

E as alianças compulsórias com os tucanos em 2012, já defendidas publicamente, inclusive pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), como ficam?

Não existe isso. O Democratas tem que pensar em si próprio. Cada partido tem a obrigação de pensar em si próprio. Respeitadas as afinidades, se a conveniência do Democratas for a aliança com o PSDB, muito bem, faremos, pois temos afinidades. Reservamos ao PSDB o papel da nossa interlocução privilegiada, mas não compulsória.

O senhor acaba de ser reconduzido à presidência do DEM. Quais os planos para os próximos anos?

Primeiro de tudo, vamos colocar as ideias do partido à frente das nossas próprias lideranças. Nós temos hoje as lideranças mais atuantes dentre os partidos de oposição, mas importantes mesmo têm que ser as nossas ideias. A ideia do Estado compatível com a qualidade do serviço público oferecido. Nunca um Estado com 40 ministérios. Um partido que defende uma carga de impostos que está de acordo com os interesses do Brasil em ser um país competitivo. E não dá para ser competitivo com essa carga tributária incivilizada que nós temos. Um partido voltado para o combate permanente à corrupção. Com as nossas ideias e a nossa postura, nós temos certeza de que haverá crescimento partidário.

Essa valorização das ideias do partido seria uma forma de retomar a ideologia da direita?

O DEM é um partido que tem uma articulação internacional, no plano da América Central, América do Norte e Europa, claramente de centro. Somos filiados ao IDC – Internacional Democrata de Centro – e é isso que nós queremos. A nossa ideologia é o que eu acabei de dizer, se é de centro, de direita ou de esquerda, isso é um carimbo que você pode colocar. O que nós somos é um partido que defende o prestígio do capital privado, o respeito à propriedade privada como forma de se garantir a segurança jurídica do Brasil no plano internacional.

[Apesar do posicionamento ideológico, o senador evita rótulos. Complemento na próxima]

Ou seja, liberal?

Evidentemente que não defendemos o chamado Estado mínimo, mas um Estado compatível, que não comporte 40 ministérios, mas faça uma prestação de serviços com quadros eficientes e não composto por pessoas que tenham como trunfo principal uma estrelinha do PT na lapela. Somos contra a ocupação das funções de Estado por pessoas cujo único mérito seja o alinhamento programático-partidário.

[Devido a péssima imagem linkada com o neoliberalismo e a direita – remetendo à ARENA – o senador evita identificar o Democratas como partido liberal de direita. O conceito liberal, que na Europa está diretamente ligado aos direitos humanos e respeito ao cidadão, toma o rótulo de elitista na América Latina. O objetivo, pelo que entendo, é de que a cúpula do partido não assuma rótulos mas dê liberdade aos seus militantes – essencialmente à juventude – para que os assuma para a criação de uma nova cultura onde a identidade liberal/conservadora/direita não tenha conotação negativa]

O DEM pretende lançar candidato a presidente da República em 2014. Por quê?

Ora, porque o objetivo de qualquer partido político é a chegada ao poder. Agora, os nomes possíveis virão em consequência da tese. A tese da candidatura própria à Presidência está nas cogitações do partido. Mas, entre a tese e o nome, há a distância que vai ser medida no tempo.

E nesse tempo haverá a consolidação de nomes. Eu não tenho dúvidas de que nós – que não temos hoje nenhum prefeito de capital -, nas eleições do próximo ano, faremos alguns prefeitos de capitais e muitos de cidades importantes. A partir desse crescimento de 2012, teremos a volta a, no mínimo, o tamanho que tínhamos antes do ataque do PSD. De acordo com esse crescimento de 2012, a tese da candidatura própria à Presidência, que está posta e defendida no partido, será considerada.

[A tese se torna bem clara: o resultado eleitoral de 2012 definirá o futuro do partido. Caso hajam vitórias consideráveis, a candidatura própria do DEM se viabiliza. Caso haja a manutenção do cenário atual, tudo indica que a aliança com o PSDB será mantida – mesmo que de forma mais distante. Caso o resultado seja péssimo, abre-se a porta para a fusão – seja com quem for]

O PSDB também deve concorrer ao Palácio do Planalto em 2014. Duas candidaturas da oposição ajudarão a derrotar o governo?

Não dá para saber o que vai acontecer daqui a três anos. Quem disse que a oposição não estará suficientemente forte para disputar a eleição com nomes bastante competitivos? Entre hoje e a eleição de 2014, muitos fatos podem acontecer. Você não pode raciocinar 2014 como se fosse hoje.

[Como disse no início: um teste para perceber o retorno da opinião pública e uma pressão sobre o PSDB e, quem sabe, PMDB]

Dilma Rousseff talvez tenha sido a presidente da República que mais viveu crises no seu primeiro ano de governo. Como o senhor o avalia?

Primeiro de tudo, não é o governo de Dilma Rousseff, mas o prosseguimento dos governos do PT. Em um ano, você já teve seis ministros demitidos por corrupção e mais dois estão na fila. Então, você teve um governo que o tempo inteiro conviveu com a improbidade, até porque os ministros que caíram foram substituídos por outros indicados pelo partido do demitido. A punição não existiu nunca. Foi a conivência com a improbidade e a impunidade.

Mas não há méritos da gestão?

Também se esperava de Dilma uma gestão eficiente, mas basta ver os números do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, no governo dela, são inferiores em matéria de execução. A execução das obras do PAC apresenta hoje um desempenho percentual inferior ao dos tempos em que ela era a executora em nome de Lula. Dilma é frustração em termos políticos e em termos administrativos.

[O jornal O Tempo deu uma excelente oportunidade para que o senador Agripino desse um recado ao senador Aécio Neves em seu território. Os partidos seguem juntos mas é notório que o Democratas demanda mais “carinho” para manter a fidelidade que sempre teve desde a eleição de seu avô. Ao mesmo tempo, o Democratas ensaia vôo próprio e começa a se apresentar para a opinião pública como alternativa política para o país. Dependendo do resultado – e aí são fundamentais tanto os jovens como nossos parlamentares – haverá a viabilidade de termos, por exemplo, o senador Demóstenes Torres – que estará no meio de seu mandato – como candidato. A estratégia vem em boa hora e dá aos idealistas uma oportunidade sem igual de fortalecer seu discurso nas mídias sociais]

Impopularidade Política versus Qualidade de Vida

(Publicado também no Instituto Liberdade e no Jornal Agora)

É interessante perceber que medidas políticas e econômicas impopulares tendem, em um longo prazo, a maximizar a qualidade de vida dos cidadãos. Os discursos dos recém empossados primeiros-ministros da Itália e da Grécia tratam exatamente disto, clamando para que suas comunidades políticas os ajudem a agüentar as pressões populares que se seguirão aos ajustes financeiros propostos.

No entanto, não precisamos ir tão longe para verificar que a popularidade política não costuma estar diretamente relacionada ao sucesso da gestão pública. Na América Latina, e em específico no Brasil, a lista de exemplos é farta.

Um estudo[1] elaborado pelos professores Yi Wu e Li Zeng para o Fundo Monetário Internacional (FMI) abordou o impacto das reformas liberais no comércio internacional dos países emergentes entre 1970 e 2004 chegando à conclusão que, diferente do senso comum, não existiu perda nas balanças comerciais após a abertura econômica. Pelo contrário, o crescimento em exportações acaba por ser notório e em alguns casos supera o avanço das importações.

No caso da liberalização brasileira houve um avanço da participação no PIB de 7,5% para 9,1% em importações e de 8,1% para 9,7% em exportações. Apesar da variação, o impacto na balança comercial permaneceu exatamente o mesmo: 0,6%.

As explicações para o avanço paritário se baseiam tanto na melhoria dos termos de troca como no crescimento induzido do comércio internacional, gerando, além das importações, um acréscimo na demanda internacional por produtos brasileiros.

Em um segundo estudo[2] publicado pelos economistas Yuko Kinoshita (FMI) e Nauro Campos (Brunel University) sobre as reformas estruturais, o resultado apresentado foi ainda mais notório.

Foram analisadas políticas públicas liberais como a redução de tarifas alfandegárias, privatizações e a solidificação das instituições públicas – prioritariamente referentes à justiça e ao setor financeiro – para se perceber que, apesar de sua impopularidade, foram estas que permitiram um menor impacto da crise internacional nos países emergentes.

A equação elaborada por eles identificou que tais reformas aumentaram o interesse de investidores externos em direcionar seus recursos para países como o Brasil, Chile e Estônia (que recentemente aderiu a zona do Euro). O resultado, quando comparado a nações mais fechadas como Argentina e Rússia, é notável.

Em relação à solidificação das instituições brasileiras, os cientistas políticos Fernando Filgueiras e Ana Luiza Aranha (ambos da Universidade Federal de Minas Gerais) promoveram estudo[3] publicado recentemente na Revista Dados (IUPERJ) onde afirmam que as reformas realizadas até o momento foram fundamentais no aprimoramento da gestão pública.

No entanto, alertam também que estas ainda não foram suficientes para resolver as deficiências em relação ao que chamam de “linha de frente da burocracia”, onde alegam que a falta de regulamentação de processos dá espaço para propinas e subornos. Os pesquisadores afirmam ainda que “a corrupção (…) é transparente ao público [mas] não é punida, não permitindo um processo substancial de responsabilização dos agentes públicos”.

Esta, no caso, é a maior barreira a ser enfrentada pelo atual governo federal. Em vésperas da realização de dois eventos internacionais de grande porte como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, é danoso perceber o impacto negativo gerado pelos escândalos consecutivos de corrupção no primeiro escalão da presidente Dilma.

Além da demissão, espera-se que a punição – embora impopular na comunidade governista – dê exemplo não só para os demais agentes públicos mas principalmente para a comunidade externa que, como o estudo de Kinoshita e Campos aponta, vê na corrupção um fator impeditivo para aumentar seus investimentos.

Resta-nos esperar para ver se o atual governo preferirá a popularidade política momentânea ou o sucesso gerencial de longo prazo que proporcionou aos emergentes os avanços estruturais e a qualidade de vida que temos hoje.


[1] “The Impact of Trade Liberalization on the Trade Balance in Developing Countries”, publicado em janeiro de 2008 como IMF Working Paper.

[2] “Structural Reforms, Financial Liberalization, and Foreign Direct Investment”, publicado no IMF Staff Papers, volume 57, em 2010.

[3] “Controle da corrupção e burocracia da linha de frente: regras, discricionariedade e reformas no Brasil”, publicado na Revista de Ciências Sociais DADOS, volume 54, número 2, em 2011.

Até que o bolso nos obrigue

(Publicado também pelo jornal Correio da Notícia)

É interessante analisar o poder da imprensa e da sociedade civil na pressão pela aprovação de projetos ou pela tomada de novos rumos por parte dos governantes. A partir de uma análise mais profunda é possível perceber ainda que alguns projetos, como o fim da CPMF ou a aprovação da Ficha Limpa, nunca teriam ido adiante sem a manifestação popular. Podemos elencar ainda, partindo para uma análise sobre o papel da imprensa, a queda de seis ministros do Governo Dilma – sendo cinco por corrupção – sempre induzidas por pressões de veículos como a Veja e a Folha de São Paulo.

No entanto, percebe-se que tal pressão popular tem suas limitações. A história nos diz, e isto ocorre tanto no Brasil como no exterior, que mudanças drásticas só acontecem quando o órgão mais sensível do cidadão é afetado: o bolso.

Foi o caso do impeachment do presidente Collor após o bloqueio da poupança; do colapso da União Soviética após a bancarrota monetária; dos Estados árabes que, apesar da falta de liberdades individuais, acabaram por se rebelar apenas quando chegaram ao auge de sua crise econômica; e, no caso mais recente e caricato, com a saída de Berlusconi que, tendo resistido à todas as denúncias sobre corrupção e imoralidade, mostra sinais de fraqueza ao não conseguir aprovar seu novo pacote econômico.

Isso mostra que, apesar de querermos viver em uma democracia ética, temos como preocupação básica nosso auto-sustento. Sem salário – ou sem poupança – acabamos sendo motivados a tomar posições mais radicais que antes não passariam por nossa cabeça. No final das contas, até nosso sentimento democrático acaba ficando para a última hora…

Mobilização civil: como, quando e por quê?

(Publicado também no Jornal do Brasil)

Acredito na mobilização da sociedade civil como fator primordial para a promoção de mudanças. Cheguei a apresentar um artigo no exterior sobre o tema, intitulado “When civil society changes the world”, tratando da importância dos atores não governamentais na implementação de novas pautas para a governança. A questão é simples: a delegação de representatividade é feita durante as eleições mas certas vezes – ou quase sempre – é interessante re-lembrar aos eleitos o que esperávamos quando demos o nosso voto.

Tal mobilização pode ocorrer de várias formas passando da organização de grupos de interesse – como ONGs, think tanks, sindicatos, associações ou partidos políticos – até a mobilização de passeatas ou movimentos coletivos em mídias sociais.

Em ambos os casos, no entanto, o índice de sucesso é baixíssimo.

Façamos uma breve análise sobre os grupos de interesse. Quanto já se ouviu e ainda se ouve do uso de ONGs para lavagem de dinheiro público? Quantos nomes diferentes vocês já viram circular pela internet ou nos jornais uma vez ou outra e nunca mais tiveram notícia? O número de organizações que surgem motivadas a promover alguma mudança – mesmo que seja no próprio bolso de seus idealizadores – é absurda e chega a ser alvo de restrição regulatória em países como a Austrália.

Por outro lado, o sucesso das poucas que se destacam é notório e compensa a existência do setor. Foi a Human Rights Watch quem fez a diferença no Norte da África enquanto a Amnesty International conseguiu a liberação dos presos políticos cubanos. Tudo isso enquanto chefes de Estado brigavam entre si e nada conseguiam…

Em termos de mobilização popular, quem não sente arrepios ao lembrar das “Diretas já!” ou do “Fora Collor!”? Puxando para os dias de hoje, quem esperava ver manifestações tão volumosas na Espanha e na Inglaterra?

O poder de uma idéia bem difundida é tão forte quanto qualquer processo eleitoral e diferencia claramente o potencial das democracias em relação aos regimes onde há restrições na liberdade de expressão.

Aliás, com a Primavera Árabe, até as ditaduras tem se sentido ameaçadas…

Na Bielorrússia, por exemplo, o presidente – e proto-ditador – passa maus bocados ao tentar se manter no poder. Ao ver manifestações consecutivas, proibiu que falassem mal do governo. A resposta foi imediata: manifestantes passavam a se reunir de forma criativa promovendo, entre outros, toques coletivos de celular. O governo, temeroso, proibiu que grupos maiores de cinco pessoas andassem juntos e redobrou seu cuidado com as mídias sociais. Vale acompanhar qual será a próxima reação dos indignados.

Aqui no Brasil, no entanto, as mobilizações continuam pequenas e tem levado às ruas números não superiores a 30 mil pessoas. A jornalista Dora Kramer, em artigo ao jornal Estado de São Paulo, justifica o fracasso parcial com a falta de um organizador institucional.

Discordo. Vamos ao exemplo egípcio: a indignação contra o governo era geral. Oposição, grupos não-governamentais e cidadãos sentiam os reflexos da falta de liberdade de expressão, mas foi um jovem anônimo que, através de um evento criado no Facebook, conseguiu mobilizar a população contra o governo.

Criou o evento, convidou seus amigos e acabou parando em diversos blogs de ativistas locais. A idéia, que já era um senso comum, ganhou adeptos e se transformou em uma manifestação que, devido à repressão do governo, foi veiculada por todas as partes dando notoriedade ao fato. A partir daí o caminho estava criado para a realização de mais e mais manifestações, garantindo o apoio de todos os grupos de oposição – partidários ou não – e, logo então, das organizações internacionais.

Na Espanha, a geração foi ainda mais natural, sendo iniciada por um evento no Facebook que, sem se fazer notar, levou milhares às praças das principais cidades do país. A multiplicação do número de participantes, no entanto, não se deu inicialmente pela mídia mas sim pelo Twitter, onde jovens multiplicavam o que acontecia e chamavam ainda mais participantes para os grandes centros. O tema? A indignação coletiva, sem especificações: cada um protestava contra o que quisesse.

Há quem diga, sobre caso espanhol, que houve sim um organizador: o grupo radical Democracia Real Ya, que acabou se identificando como autor das mobilizações logo depois de seu sucesso. Desafio, então, que apontem os membros e o projeto estratégico que levou às ruas tanta gente. Oportunistas existirão sempre, mas nenhum se sustenta na ausência de provas.

Voltando para o caso brasileiro, percebemos que o ponto de partida foi dado com a criação dos eventos no Facebook. E daí já se gera o primeiro problema: cada um, na intenção de ser mais popular que o outro, resolveu criar seu próprio evento. Dividiram o público e nenhum ficou tão popular.

O segundo erro: proibiram a participação de partidos políticos. Ora essa! Se existem partidos contra a corrupção, por que seus filiados não podem se expor? O crime passara a ser não o abuso do poder mas a participação política. E se de cara os participantes já repelem quem é politicamente ativo, não é de se esperar grande sucesso.

O terceiro: a falta de criatividade. Não é de se esperar que um milhão de jovens levante às oito horas da manhã em um feriado para dizer não à corrupção em uma marcha monocromática. Espera-se, por outro lado, que eles estejam aos montes à tarde em um festival de rock para se divertir, cada um ao seu jeito. Por que não fazer dos dois um só? Por que não mobilizar de uma forma divertida, engraçada, para um horário e local onde já exista propensão a ir? Ou, por exemplo, você acredita que recentemente jovens se reuniram nas ruas dos Estados Unidos apenas para comemorar o assassinato de Osama Bin Laden? Não! Foram para comemorar, sim, mas também para se divertir, ver gente, socializar. E para isso, necessita-se de criatividade e de um empenho maior nas redes sociais também durante os eventos e não só em suas pré-convocatórias.

Por fim, falta credibilidade. O projeto Ficha Limpa deu certo por que os atores não-governamentais se aproveitaram da mobilização popular e deram a ele, por meio da conquista dos meios de comunicação, um tom que fazia a todos crer que aquilo era realmente possível mesmo indo contra todos os caciques políticos do país. Cito, neste ponto, a própria jornalista Dora Kramer como exemplo. Falou da importância da mobilização, criticou seu fracasso e afirmou ser necessário que se façam novas e novas manifestações do tipo. Mas… Será que ela mesma participou? Duvido. E, além da imprensa como pessoa física e não jurídica, os demais grupos de interesse? Será que estavam por lá? Também não os vi.

A mobilização da sociedade civil acontecesse sim – e também – de forma espontânea mas, uma vez iniciada, passa a demandar atores mais ativos e menos sectarismo para tomar expressão. Acredito no amadurecimento progressivo dos ativistas e na viabilidade de se constituir novas manifestações que façam a diferença tanto quanto fizeram as “Diretas já!”, o “Fora Collor!” e o projeto Ficha Limpa.

O tema? Pode ser a própria marcha contra a corrupção. Mas sugiro algo mais concreto: o fim do voto obrigatório. O projeto já foi proposto…