Quais visões políticas favorecem a polarização?

(Publicado no Politize! em 20/05/2021 por Luiz Andreassa)

Já discutimos aqui no Politize! a polarização no Brasil e no mundo. Ela é uma disputa política entre dois grupos que não aceitam o diálogo, se fecham em suas convicções e não reconhecem a legitimidade um do outro.

A polarização, tal como abordamos naquele artigo, diz respeito ao modo como os grupos e indivíduos enxergam o debate público. Ela não é, portanto, fácil de ser medida com dados concretos.

Porém, é possível analisar resultados de eleições em diversos países para tentar entender onde e como a polarização política acontece. Essa pesquisa foi feita e é sobre ela que vamos falar neste texto.

A polarização na prática

Como medir a polarização de forma empírica, ou seja, a partir da observação de dados concretos?

O cientista político João V. Guedes-Neto analisou dados de pesquisas de opinião pública e de 165 eleições de 52 países entre 1996 e 2019 em seu artigo “The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections”.

(Em português, o título seria algo como: “Os efeitos das atitudes políticas sobre a polarização afetiva: evidências de pesquisa de 165 eleições”)

A intenção era verificar o nível de polarização afetiva nos países e entender como atitudes e visões políticas individuais influenciam esse índice. Polarização afetiva é a diferença no modo como cada indivíduo enxerga os partidos que disputam o poder. 

Com todos esses dados em mãos, o autor aplicou uma série de cálculos para entender o nível de polarização entre dois partidos em cada disputa eleitoral. Dessa forma, ele montou um ranking que traz os seguintes destaques.

Eleições mais polarizadas:

  1. Quênia – 2013
  2. Turquia – 2015
  3. Albânia – 2005
  4. Bulgária – 2001
  5. Turquia – 2018

Eleições menos polarizadas:

  1. Hong Kong – 2004
  2. Taiwan – 1996
  3. Hong Kong – 1998
  4. Filipinas – 2016
  5. Hong Kong – 2000

O fato mais curioso que esses exemplos mostram é que, das cinco disputas mais marcadas pela polarização, três aconteceram depois de 2010 e nenhuma antes de 2000. Entre as menos polarizadas, por outro lado, quatro delas se deram do ano de 2004 para trás. Isso mostra como a polarização aumentou recentemente.

A polarização no Brasil

E em nosso país? Segundo os dados, a eleição presidencial de 2002 teve um alto nível de polarização, enquanto as duas seguintes, 2006 e 2010, tiveram uma queda nesse índice. A partir de 2014, a polarização afetiva volta a subir e, em 2018, fica ainda maior do que foi em 2002.

Esses resultados ratificam a percepção de analistas, jornalistas e eleitores a respeito da divisão da sociedade brasileira nas duas últimas eleições presidenciais, especialmente a mais recente, quando Jair Bolsonaro foi eleito.

É preciso lembrar, porém, que a análise da realidade do Brasil é mais complexa, como aponta o autor. O estudo analisou as disputas entre os partidos com maior presença no parlamento de cada país. Por aqui, nem sempre o partido com mais cadeiras no Legislativo tem presença na disputa presidencial, como foi o caso do PMDB em diversas ocasiões.

Quem é mais polarizado?

Além de mostrar, com números, o quão polarizadas foram as eleições analisadas, o autor do artigo também usou pesquisas de opinião para testar quatro hipóteses e determinar quais visões políticas influenciam o nível de polarização dos indivíduos.

De acordo com os resultados apresentados no artigo, foi possível apontar as seguintes tendências.

Quanto mais ideologicamente radical for o eleitor, MAIS polarizado será seu comportamento

Esta afirmação vem ao encontro da percepção do senso comum a respeito do tema. Nas pesquisas, os eleitores que se definiram mais próximos dos extremos ideológicos tendiam a votar e agir de forma mais polarizada.

Dessa forma, eleitores de extrema-esquerda e extrema-direita tendem a ter menos apreço por seus adversários no campo político.

Quanto mais informado politicamente for o eleitor, MENOS polarizado será seu comportamento

Para chegar à conclusão acima, foi analisado o posicionamento político dos eleitores junto da sua percepção da posição ideológica dos partidos de seus países. Quanto mais a percepção dos eleitores fosse parecida com a dos especialistas, mais bem informados politicamente eles eram considerados.

As pessoas que demonstraram mais altos níveis de conhecimento da política tendiam a ser menos polarizadas. Além disso, viam os partidos concorrentes do seu como menos extremistas, em comparação com quem demonstrou ser menos informado sobre o tema.

Quanto menos o eleitor acredita que sua ação faz diferença, MENOS polarizado será seu comportamento

Para esta hipótese, o autor traz a ideia de “eficácia externa”, que pode ser explicada como o sentimento de que a ação política individual pode fazer a diferença na sociedade.

Conforme mostram os dados analisados, se um indivíduo pensa que suas ações não afetam o sistema político e sua voz não é escutada, ele tenderá a ter posições menos extremadas e polarizantes.

O nível de polarização aumenta conforme o eleitor tem a percepção de que sua atuação individual pode influenciar os rumos da sociedade.

O nível de satisfação com a democracia tem influência variada sobre o comportamento do eleitor

O último ponto teve resultados mais variados que os anteriores. Nele, avaliou-se o quanto a satisfação com a democracia afeta a tendência do eleitor ter comportamento polarizado. O autor chegou à conclusão de que essa relação varia em cada contexto.

Em países onde a população geral mostra maior apoio ao sistema democrático, o nível individual de apoio pouco influencia o comportamento de cada pessoa.

Por outro lado, nos países com menor média de satisfação com a democracia, a satisfação individual tende a aumentar bastante a polarização.

Segundo o autor, isso acontece porque, nos países onde a satisfação com a democracia é maior, é comum que os partidos tenham posições mais ao centro e sejam mais parecidos na forma de governar. Assim, os eleitores com posições mais polarizadas são parte da minoria que não concorda com esses partidos e com o sistema político.

Essa tendência muda em países com menor média de apoio à democracia. Nesses casos, os indivíduos que têm maior apreço por esse regime têm maior probabilidade de exibir comportamentos polarizados.

Referências

Annenberg School for Communication – Affective Polarization: Understanding Division in American Politics

João V. Guedes-Neto – The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections