O Brasil está tão polarizado quanto os EUA?

(Coluna do Marcus André Melo na Folha de São Paulo, 08/05/2021)

A polarização se intensificou nos últimos anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela também mudou de chave: é “afetiva”, tendo por base a rejeição do rival, e não “programática”, com base em políticas.

No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século (1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.

Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as) rejeitam crescentemente o partido adversário.

Outra métrica possível é “a distância social”: o sentimento dos indivíduos na interação social com membros ou simpatizantes do partido adversário. Elas cada vez mais não se sentem confortáveis em ter membros do partido rival como vizinho, cônjuge, membro da família estendida, colega de trabalho, ou prestador de serviço.

A comparação entre regimes bipartidários e multipartidários requer a ponderação do indicador de rejeição pelo tamanho dos partidos. A polarização é mais clara —e se intensifica— sob os primeiros; enquanto regimes multipartidários tendem a dissipá-la.

Em “American affective polarization in comparative perspective”, 2020, (A polarização afetiva em perspectiva comparada), Gurion et al examina 20 democracias e conclui que os EUA é menos polarizado que Grécia, Portugal e Espanha; tão polarizado quanto França, Grã-Bretanha, Austrália, Itália e Nova Zelândia e menos polarizado que a Escandinávia e Holanda. Mas argumentam que o recrudescimento recente é “singularmente americano”. É provavelmente também brasileiro, eu diria.

O Brasil aparece apenas em estudos comparativos realizadas por Reiljan (2020) e João Victor Guedes Neto (2020). No primeiro destes estudos, que utiliza dados para o período 2001-2016, o Brasil e EUA tem escores similares, e estão na mediana da distribuição. A região mais polarizada do planeta é a Europa do Leste seguida da Europa meridional: Estônia, Hungria, Croácia, Bulgária, Sérvia, Eslováquia, Lituânia e Eslovênia estão dentre os 15 mais polarizados dos 40 países.

A hiperfragmentação e baixíssimo partidarismo político no Brasil —o mais baixo escore da amostra de Laukas et al (2018)— tem criado um partidarismo negativo assimétrico (envolvendo apenas o PT) e mascaram a escalada da polarização.