Entre ouro e bananas

(Publicado pelo Instituto Millenium, Epoch Times e Diário do Grande ABC)

A importância da visão externa sobre nossa sociedade é inquestionável. Quando em viagens ao Exterior, costumo conversar com políticos, economistas, estudantes etc para entender sua percepção sobre nosso País. Conversas básicas ou aprofundadas, a oportunidade é sempre interessante para identificar riscos e potenciais que, às vezes, como brasileiros, não conseguimos ver. Neste ano tenho buscado novas opiniões. O que ouvi até agora foi extremamente interessante e, em alguns momentos, perturbador.

Em primeiro lugar, está certo otimismo uma vez que não fomos tão afetados pela crise financeira como a maioria das nações europeias. Reconhecem que a economia brasileira atingiu estágio de estabilidade impossível de se prever há algumas décadas. Veem com bons olhos o que conhecem sobre programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e são otimistas sobre a crescente influência exercida por brasileiros em organismos da ONU. Fico impressionado, e certamente orgulhoso, ao ver como nossa imagem mudou ao passar dos anos: o carinho e a curiosidade pelo Brasil sempre foram grandes, e assim permanecem, mas o brasileiro deixou de ser o turista folclórico e o imigrante indesejado para se tornar o pote de ouro das economias saturadas e recessivas.

Nem tudo são flores. A Copa do Mundo, que desperta ainda mais a curiosidade internacional e o desejo de conhecer nossas praias, é motivo de preocupação para a maioria daqueles com quem conversei. Temem que nada esteja pronto para o evento ou que, como alguns periódicos internacionais reportaram, as condições sejam tão caóticas como aquelas encontradas nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi (Rússia). A aproximação com a Rússia é inegável para muitos não apenas pelo relacionamento de nossos governos nos Brics. Veem nossos políticos como versão mais moderada do folclórico e corrupto Vladmir Putin. Sentem-se inspirados pela história pessoal do ex-presidente Lula, mas receiam seu apego pelo poder; aprovam a escolha de mulher para presidente, mas temem sua próxima relação com Maduro, Moralles e Kirchner.

As conclusões a se tomar a partir desta narrativa são diversas. A minha é de que nosso País está travado na dicotomia sociedade-Estado, tendo em seu povo e seus empreendedores a força motriz para o desenvolvimento, enquanto o Estado e seus governantes, apesar de acertos consideráveis, teimam em agir como se ainda fôssemos a república das bananas. Cabe a nós, do primeiro grupo, reduzir o peso que o segundo exerce sobre nossas costas.

Eleições 2012. O que muda?

(Publicado pelo Instituto MilleniumBem Paraná e
na edição de 08/10/2012 do Jornal do Estado)

Nada. Parece clichê, mas a verdade — e muitos pesquisadores já vêm apontando — é que o resultado eleitoral, principalmente em eleições municipais, pouco tem impactado nos rumos da administração pública.

O já falecido cientista político William Riker, professor da Universidade de Rochester, foi um dos primeiros a tratar sobre o assunto ainda na década de 60 quando lançou o livro The Theory of Political Coalitions, integrando teorias de análise econômica ao meio político, a fim de mostrar que a atitude dos agentes públicos estaria mais relacionada ao seu ganho pessoal e ao fortalecimento de seu grupo do que à linha programática de seu partido.

O estudo, tendo por base a política americana, foi desenvolvido ao redor do mundo e deu origem ao que se conhece hoje como a Teoria da Escolha Pública — que se trata de uma série de análises de números e palavras a fim de identificar a motivação da classe política ao governar.

Riker, caso nascesse no Brasil, teria um prato cheio de informações para aprofundar ainda mais sua tese. Seja no nível federal, onde o Partido dos Trabalhadores copiou integralmente o modelo econômico de seu antecessor Tucano, ou no municipal, onde os partidos só mostram suas cores e seus programas durante os poucos meses eleitorais, poucos são os políticos que realmente imprimem em seus mandatos uma marca independente e ideologizada.

O fato é que, como o eleitor já percebeu, boa parte dos agentes políticos age com base em pesquisas de opinião e em respeito aos interesses daqueles que financiarão suas futuras campanhas — ambos fatores que permanecerão os mesmos independente de quem esteja no poder.

É por este motivo que, mesmo tendo 29 partidos políticos à disposição do eleitor, temos ouvido cada vez mais a típica frase, “este ano está difícil escolher em quem votar…” — outro clichê de nosso meio político.

No entanto, nem tudo está perdido. Diferente do que acontecia nas últimas décadas, temos visto uma forte movimentação da sociedade civil, que vai desde a mobilização independente via Facebook até o lobbysmo das organizações literalmente não governamentais – aquelas sem financiamento público nem intervenção partidária.

Tais atividades vêm moldando um comportamento mais crítico do cidadão que, apesar de péssimo eleitor — por falta de vontade e de opções — tem conseguido pressionar os poderes públicos a se guiar de forma mais ética do que no passado. O reflexo é nítido e pode ser visto na busca constante pela austeridade no Governo Federal — incluindo a privatização dos aeroportos — e o uso eficiente da Cidade da Música no Rio de Janeiro — antes alvo constante de políticos de todos os grupos adversários a Cesar Maia.

Ainda que votar seja importante, estamos descobrindo cada vez mais que o “show da democracia”, como gostam de bradar políticos das mais diversas ideologias, se faz não de quatro em quatro anos durante eleições, mas todos os dias, quando o cidadão, por diversos meios, expressa sua opinião e força agentes públicos — independente de seus partidos — à se guiar pelo caminho da moralidade, da austeridade e do respeito ao indivíduo.

Um golpe de mestre no Mercosul

(Publicado pelo Jornal do Brasil)

A esquizofrenia política que parece ter tomado conta da diplomacia latina tem cada vez surpreendido mais aqueles que acreditam nas relações internacionais como um meio para se promover direitos humanos e qualidade de vida. Nunca antes na história deste país, parafraseando nosso ex-presidente, se viram tantos lobos em peles de cordeiro como neste período pós-impeachment paraguaio.

Antes de passar aos fatos, no entanto, gostaria de levantar alguns conceitos teóricos que poderão auxiliar para que se obtenha um entendimento pleno sobre o que vem ocorrendo em nosso continente. O primeiro deles se dá pela motivação original que levou os povos, ainda nos primórdios da humanidade, a se relacionar com diferentes civilizações: a maximização da qualidade de vida. É indiscutível, seja na escola do pensamento que for, que esta fora a motivação para qualquer relação intercultural que tenha ocorrido no passado e, ainda hoje, pauta teóricos realistas, liberais, contratualistas ou construtivistas – entre outras correntes internacionalistas.

Outro ponto de consenso é que cada governo reproduz no exterior aquilo que prega nacionalmente. Isto significa que, no mundo da diplomacia, não existe ponto sem nó e, para cada passo dado por um chanceler, existem toneladas de motivações domésticas oriundas tanto de seu presidente como dos demais líderes dominantes.

Uma terceira questão, sendo esta a mais importante, é que não existe modelo econômico vigente – por mais socialista que seja – que não tenha interesses financeiros ou que não dependa destes para garantir sua subsistência. Entendendo estes fatores, faço um convite ao leitor para que se teletransporte mentalmente para o Paraguai do início do século 20, período que ainda tentava se reconstruir da devastação proporcionada pelo belicismo brasileiro. Foi nesta época que fora fundado o Partido Liberal, embrião da agremiação que assumiu a Presidência do país pela primeira vez no dia 22 do último mês.

Vivendo em um país sem ligação com o mar e cujo maior vizinho havia sido um dos principais motivos por sua extrema pobreza, a única alternativa de seu povo fora o desenvolvimento agrário – ainda que sem muitas vantagens comparativas devido ao relevo desfavorável do país. Tal cenário, algumas décadas após, não havia mudado muito, e, apesar das relações regionais terem sido reconstruídas, a qualidade de vida da população permanecera a mesma.

Foi nesta realidade que, guiados pela instabilidade interna e auxiliados pela onda ditatorial da América do Sul, os militares paraguaios implantaram uma ditadura que se iniciou vinte anos antes da nossa e veio a acabar em conjunto – com uma singular diferença: por aqui, a Arena deixou de existir em 1985; por lá, o Partido Colorado permaneceu existindo e se reelegendo até 2008. Foi neste ano que as esquerdas e as direitas decidiram montar um bloco partidário forte o suficiente para enfrentar de igual para igual os descendentes políticos do general Alfredo Stroessner. Tal bloco fora composto pelo esquerdista Fernando Lugo, ex-bispo da Teologia da Libertação e então candidato à Presidência, e Federico Franco, candidato a vice e presidente do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) – cuja origem residia no supracitado Partido Liberal.

Vale, neste ponto, abrir um parêntese sobre o PLRA: tive a oportunidade de me relacionar no último ano com os líderes de sua juventude, quando se preparavam para organizar um megaevento que reuniria 10 mil jovens filiados. Tal número, embora houvesse me fascinado, era algo corriqueiro para seus eventos anuais. Pelo que fui conhecer logo depois, o PLRA havia sido re-criado ilegalmente em 1978 – mesmo ano em que Federico Franco, o atual presidente, havia se filiado, com apenas 16 anos de idade.

Sua intenção era reunir liberais de esquerda e direita para apresentar uma alternativa aos generais do Partido Colorado. Não foram bem sucedidos eleitoralmente, mas conseguiram montar uma agremiação política que não só mudou o país mas atingiu a cifra de 800 mil filiados em uma nação de 8 milhões de habitantes. Os números não só falam por si como justificam o sucesso eleitoral obtido em 2008, quando a dobradinha Lugo-Franco – algo como se Lula e FHC estivessem compondo chapa – quebrou as seis décadas de supremacia colorada. No entanto, a união não durou muito tempo e, já no início, ambos deram sinais de que não estavam dispostos a ceder aos interesses alheios.

Fernando Lugo, que assumira a posição de telhado de vidro principalmente devido ao seu temperamento, acabou sofrendo graves perdas de popularidade graças tanto a escândalos pessoais, como a aparição de quatro filhos oriundos do período de seu bispado – sendo dois já reconhecidos –, como ao fracasso econômico – visto pela esquerda com a ausência de uma reforma agrária e pela direita, uma vez que o crescimento estava bem abaixo do atingido pelas demais nações da região.

Foram estes, somados a uma disputa de terras que resultou em 18 mortes, os pilares que acabaram por consolidar a movimentação legislativa que promoveu seu impeachment. Como se pode ver mais uma vez pelos números, não foi uma simples maioria mas 73 deputados contra um que votaram pela destituição do presidente Lugo dada a sua ineficiência governamental. Com este resultado fica difícil culpar movimentações às escuras de grupos específicos – sejam eles quais forem.

O que domesticamente fora uma medida comum, legitimada inclusive pelo presidente destituído e seu advogado, externamente fez brilhar cifrões nos olhos de diversos governantes. A motivação latina, antes ofuscada, se tornava cada vez mais clara: calar o único país que se colocara contra a entrada da Venezuela no Merosul fazendo com que o processo de entrada de Hugo Chavez no bloco fosse garantido. O primeiro passo fora o ataque diplomático por meio da Unasul e do Mercosul, que intitularam a medida constitucional como golpe político e tentaram despertar a ira da comunidade internacional sob a justificativa de que o processo havia sido rápido demais. Levando em conta um dos conceitos que levantei no início deste artigo, credito tal movimento à cultura política brasileira que leva décadas para julgar crimes do regime militar e, com direito a pedido pessoal do ex-presidente, tenta protelar ainda mais a conclusão do caso do mensalão. Afinal, a qual político interessa uma justiça rápida e eficaz contra líderes corruptos e ineficientes?

Em segundo lugar, utilizaram-se deste discurso para bloquear a participação do Paraguai nas deliberações do Mercosul pelo período que durasse o governo de Federico Franco – ou seja, nove meses. A motivação, como fica claro e já fora citado, é facilitar a vida da Venezuela. Assim sendo, assumirão eles – Cristina Kirchner, José Mujica e Dilma Rousseff – o título de golpistas caso votem, neste período de exceção, a entrada do país de Chavez no bloco. Neste cenário, fica difícil acreditar nos que defendem a tese de um impeachment orquestrado pela multinacional americana Monsanto – até porque não havia nenhuma indicação de que Fernando Lugo usaria seus últimos meses para implementar uma reforma agrária que havia sido adiada desde sua posse. Por outro lado, torna-se fácil perceber o quanto influenciou os líderes latinos a possibilidade de se aproximar ainda mais dos petrodólares venezuelanos que já vêm, há algum bom tempo, financiando movimentos esquerdistas na região.

Julgando por isto, vemos que o trabalho dos diplomatas sul-americanos têm se destinado a tudo, menos a maximizar nossa qualidade de vida.