Uma Revolução Tributária

(Publicado pelo Jornal do Brasil, Instituto Liberdade, Leopoldinense, O Norte de Minas e Contábil Rossi)

A Câmara Federal parece ter dado uma bola dentro na última semana. Aprovou em votação relâmpago o projeto que obriga empresas a detalhar até nove impostos municipais, estaduais e federais na hora de anunciar preços ou apresentá-los em notas fiscais.

A idéia que se baseou em uma iniciativa popular que recebeu mais de um milhão de assinaturas foi proposta pelo senador Renan Calheiros como alteração ao Código de Defesa do Consumidor incluindo na lista de discriminações o ICMS, ISS, IPI, IOF, IR, CSLL, PIS/Pasep, Cofins e Cide.

É verdade que a questão não é nova, e já pode ser vista, por exemplo, em hotéis e outros estabelecimentos de turismo que discriminam preço e imposto na hora de cobrar por seus serviços. Mas, ainda assim, promete mudar muita coisa em nossa economia.

No exterior, pelo menos, foi assim que aconteceu. Lembro-me de minha primeira visita aos Estados Unidos quando, ainda criança, perguntei a uma lojista brasileira por que o preço final dos objetos não ficava estampado na vitrine. Um pouco confuso com a discriminação de taxas, insisti nos questionamentos e perguntei se o modelo não era complicado demais. A empreendedora naturalizada respondeu com brilho nos olhos: “Assim sabemos quanto vai para o governo e podemos cobrar com ainda mais confiança por sabemos que aquele dinheiro é nosso. E por aqui, você deve imaginar, os políticos realmente trabalham!”

Na hora concordei, mas só fui entender realmente do que se tratava alguns anos depois quando tive noção do tamanho da carga tributária brasileira e, ao conhecer outros países, perceber que a precariedade de nossos serviços públicos não se repetia na maior parte de nossos parceiros econômicos.

O projeto, que já conta com a repulsa do ministro da Fazenda, promete criar polêmica. A primeira delas é a viabilidade econômica de se implementar o modelo caso o projeto seja aprovado. Lucrarão, com toda a certeza, contadores e tributaristas que passarão a ser contratados exclusivamente para fazer tal cálculo sobre cada produto a ser comercializado. Perderão dinheiro, na outra ponta, as esferas públicas que verão um maior índice de sonegação, resultado da pergunta que virará clichê: “E sem imposto, quanto fica?”

O lojista, por sua vez, terá um prejuízo no curto prazo, por ter de gastar com aqueles que discriminarão seus preços, mas, com o correr do tempo, acabarão se aproveitando da medida como uma verdadeira escola sobre direito tributário e contabilidade, tendo um incentivo ainda maior para aumentar seu entendimento sobre o próprio negócio e planejar de maneira mais efetiva suas compras e vendas – principalmente quando levando-se em conta o pequeno empresário que, no cenário atual, é famoso por seu conhecimento precário sobre planejamento econômico.

Por outro lado, a questão política estará fervendo tanto no curto como no longo prazo. O efeito imediato gerado pela discriminação de preços será a revolta eleitoral: “Para onde está indo meu dinheiro?”; “Por que preciso pagar tanto se não recebo nada de volta?”; “Por que não me deixam gastar meu próprio dinheiro como eu bem entender?”; e “Quem pagará a conta do meu contador?” virarão novos clichês de nossa economia no curto prazo.

No longo, questão ficará ainda mais interessante pois esse novo dia-a-dia tributário fará com que a memória do consumidor esteja fresca na hora de eleger seus representantes. Será comum ver nos horários eleitorais gratuitos promessas de reformas tributárias, corte massivo nos impostos, simplificação do sistema e outras idéias que já há alguns anos são apontadas como fundamentais para que o Brasil alcance o tão sonhado patamar de economia desenvolvida.

Por agora, nos cabe esperar, multiplicar a idéia e pressionar, com as armas que temos, nossos representantes para que aprovem e implementem a medida à tempo de causar efeitos reais já no pleito de 2014.

Dilma Rousseff versus Norte-Nordeste

(Publicado pelo Jornal do Brasil, O Leopoldinense e O Norte)

Na contramão do que é realizado em países de grandes dimensões como Estados Unidos, Canadá e China, o Governo Federal brasileiro tem dado constantes mostras de que sua motivação centralizadora parece não ter fim.

Como já fizera em abril deste ano ao aprovar uma resolução no Senado minando a disputa interna entre os portos que, a fim de garantir vantagens comparativas, concediam benefícios fiscais para determinados produtos, a presidente Dilma Rousseff partiu agora para uma nova reforma no ICMS visando acabar com a guerra fiscal realizada pelas unidades da federação.

Na prática, isto significa que as empresas, ao decidir se instalar em estados com infra-estrutura mais debilitada – como Amapá e Roraima – pagarão o mesmo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços do que se optarem por estados como São Paulo ou Rio de Janeiro.

Absurda caso sejam levadas em conta apenas diferenças básicas como a disponibilidade de serviços públicos e a qualidade das estradas, a medida se mostra ainda mais esquizofrênica ao colocar em pé de igualdade fiscal estados com diferentes posições geográficas, nível educacional da mão de obra e até mesmo perfil do mercado consumidor e índice de preços.

Exemplificando a questão por meio de uma análise internacionalista, é possível citar o economista Philipp Bagus que, por meio de seu livro “A Tragédia do Euro”, apontou como um dos pilares para a presente crise financeira européia a centralização monetária realizada com a criação da moeda única. Embora sob aspectos econômicos diferentes – por lá, o monetário, e por aqui, o fiscal – a questão afetou exatamente a competição realizada pelos países com diferentes realidades individuais que, a partir da formação da nova moeda, perderam parte de suas vantagens comparativas, cedendo espaço para um crescimento ainda maior das já potentes Alemanha e França, ao passo que países com menor estrutura prévia, como Portugal e Itália, acabaram por perder boa parte de sua competitividade empresarial e hoje amargam altos índices de desemprego.

Por aqui, caso tal medida seja aprovada, o cenário não será diferente. Enquanto estados com uma estrutura de qualidade já estabelecida acabarão por atrair ainda mais negócios, as unidades da federação com debilitações históricas perderão uma de suas únicas vantagens comparativas tendendo a ficar cada vez mais pobres.

O resultado esperado, diferente do que aponta o governo, seria trágico tanto no curto como no longo prazo. Ao passo que no início a migração seria realizada, no sentido norte-sul, por empresas principalmente de médio e grande porte, o segundo momento poderia ser representado por um novo êxodo, na mesma direção e ainda mais perverso, composto por famílias a caminho do Sul-Sudeste em busca dos empregos que antes existiam em suas regiões.

Com esta iniciativa, a presidente Dilma mostra não somente ter se esquecido de quem a elegeu em 2010 mas, principalmente, um carinho especial e repentino pelos eleitores de Fernando Haddad e Eduardo Paes.