Paraguai: Crise Política ou de Valores?

(Publicado também pelo Jornal do BrasilOpera Mundi [UOL], Jornal do Commercio e O Norte de Minas)

A crise política despertada na América do Sul com o impeachment do então presidente paraguaio Fernando Lugo tem convidado diplomatas e eleitores para uma reflexão que deve se estender não somente ao campo jurídico, mas, principalmente, à nossa cultura política e às relações exercidas por nossas nações em nível internacional.

Tive a oportunidade de conhecer de perto, no ano passado, algumas jovens lideranças do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) que ocupava a vice-presidência do Paraguai e, com a saída de Lugo, chegou ao poder com Federico Franco no dia 22 deste mês. Tal proximidade com os ditos liberais radicais – e o conhecimento de seu entendimento histórico – me fez ter uma avaliação ligeiramente diferente daquela feita tanto pelo Itamaraty como por boa parte da diplomacia de nossos parceiros regionais.

O primeiro ponto a ser levantado é, notoriamente, a questão histórica dos movimentos políticos paraguaios.

Apesar do nome, o PLRA está longe de ser um partido radical ou, até mesmo, meramente liberal. Fundado na ilegalidade em 1978, remontava a história do Partido Liberal criado ao término da guerra com o Brasil e que se colocava como alternativa para a reconstrução do país. Em sua refundação, o ideal era semelhante: constituir uma possibilidade de mudança, a partir da agregação de liberais de esquerda e direita, em um cenário onde o país era dominado pela ditadura do general Alfredo Stroessner.

Federico Franco, então com 16 anos, filiou-se ao partido e foi, desde seus tempos de estudante, um dos principais líderes tanto de seus blocos juvenis como seniores, acompanhando de perto o desenvolvimento ideológico de sua agremiação.

Viu a massificação do partido que hoje possui mais de 800 mil filiados (cifra considerável para um país que não passa dos sete milhões de habitantes). Viu também sua diversificação de idéias, levada pela incrível ascensão quantitativa, incorporando conservadores, libertários, liberais de direita, de esquerda e social democratas. Apesar de sua amplitude, Franco nunca havia visto o PLRA chegar à presidência.

Em 2008, como presidente do partido, aceitou se juntar ao esquerdista Fernando Lugo para quebrar a hegemonia do Partido Colorado – que se mantivera no poder desde 1947.

Aderente da Teologia da Libertação, o ex-bispo católico Lugo foi eleito para resolver as mazelas sociais do país mais pobre do Mercosul. No entanto, o que se viu foi uma série de crises envolvendo tanto suas políticas públicas como sua vida pessoal. Entre elas, a aparição de pelo menos quatro filhos – dois já reconhecidos – referentes ao período de seu bispado representaram um choque para o eleitorado mais conservador.

Na outra ponta, os movimentos sociais se rebelaram ao ver chegar o último ano de seu governo sem que tivesse sido dado nenhum passo rumo à reforma agrária. Pelo contrário, a repressão havia aumentado e no meio deste mês 17 pessoas haviam morrido em uma disputa de terras a 250 quilômetros de Assunção. Este fora o estopim para a crise política.

Tendo conquistado a rejeição de blocos políticos que iam da extrema direita à extrema esquerda, Fernando Lugo se viu em meio a um processo constitucional de impeachment que, em um tempo recorde, depôs o presidente e colocou o líder do PRLA, Franco, à frente do país.

Sobre a movimentação, é importante salientar dois fatos: o primeiro é que, dado ao histórico político paraguaio, sua constituição dá poderes extremamente limitados ao presidente, que deve se submeter ao congresso para a maior parte de suas decisões – diferindo bastante se comparado aos demais países latinos. O segundo é que o ex-presidente Lugo não só legitimou o processo de impeachment como aceitou a transferência de poder a Federico Franco – diferente dos governantes da Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela, que bradaram por sanções contra o país.

Levando em conta que os líderes de todos os países citados figuram na coluna da esquerda e têm promovido políticas controversas sob o ponto de vista dos direitos humanos, seu posicionamento já era de se esperar. O bizarro, no entanto, foi sua justificativa: a velocidade do processo.

Trazendo o debate para o Brasil, talvez estivessem esperando algo ao nosso modo: algumas décadas para se investigar os crimes do regime militar e mais alguns anos de espera para que o mensalão fosse julgado – com direito a pedido de protelamento feito pelo ex-presidente e tudo. Parece que, pelo menos na reprodução externa do que ocorre internamente, nossos diplomatas estão sendo bem sucedidos.

Até que o bolso nos obrigue

(Publicado também pelo jornal Correio da Notícia)

É interessante analisar o poder da imprensa e da sociedade civil na pressão pela aprovação de projetos ou pela tomada de novos rumos por parte dos governantes. A partir de uma análise mais profunda é possível perceber ainda que alguns projetos, como o fim da CPMF ou a aprovação da Ficha Limpa, nunca teriam ido adiante sem a manifestação popular. Podemos elencar ainda, partindo para uma análise sobre o papel da imprensa, a queda de seis ministros do Governo Dilma – sendo cinco por corrupção – sempre induzidas por pressões de veículos como a Veja e a Folha de São Paulo.

No entanto, percebe-se que tal pressão popular tem suas limitações. A história nos diz, e isto ocorre tanto no Brasil como no exterior, que mudanças drásticas só acontecem quando o órgão mais sensível do cidadão é afetado: o bolso.

Foi o caso do impeachment do presidente Collor após o bloqueio da poupança; do colapso da União Soviética após a bancarrota monetária; dos Estados árabes que, apesar da falta de liberdades individuais, acabaram por se rebelar apenas quando chegaram ao auge de sua crise econômica; e, no caso mais recente e caricato, com a saída de Berlusconi que, tendo resistido à todas as denúncias sobre corrupção e imoralidade, mostra sinais de fraqueza ao não conseguir aprovar seu novo pacote econômico.

Isso mostra que, apesar de querermos viver em uma democracia ética, temos como preocupação básica nosso auto-sustento. Sem salário – ou sem poupança – acabamos sendo motivados a tomar posições mais radicais que antes não passariam por nossa cabeça. No final das contas, até nosso sentimento democrático acaba ficando para a última hora…