Vladmir Putin, Pussy Riot e a nova União Soviética

(Publicado pelo Jornal do Brasil e Jornal do Commercio)

Costumo frisar, em boa parte de meus artigos sobre as relações internacionais, que um dos pontos mais importantes de se entender o comportamento externo das nações é que, tão logo as oportunidades surjam, tais medidas serão reproduzidas em gênero, número e força, no âmbito interno. A Rússia, infelizmente, vem sendo um dos maiores exemplos práticos a confirmar esta teoria. Sua firme defesa a regimes como o do líbio Muammar al-Kaddafi e, mais recentemente, ao sírio Bashar al-Assad dava uma amostra de que, ao concordar com ditaduras externas, um futuro antidemocrático poderia estar reservado para a superpotência do Oriente caso Vladmir Putin e Dmitry Medvedev permanecessem em seu comando.

Dito e feito. Não bastasse a costumeira truculência da Politsia russa ao enfrentar as manifestações que se tornaram comuns no país face à recente e duvidosa recondução de Putin ao poder, a justiça agora também parece estar sendo guiada pela nostálgica saudade do modo soviético de controlar a opinião pública. Além do caso clássico do magnata Mikhail Khodorkovsky, preso em 2004 ao se opor radicalmente ao regime vigente, chegou a vez de o absurdo totalitarista atingir o meio musical ao impor pena de dois anos de reclusão para as três artistas da banda punk Pussy Riot.

O caso, que chocou o meio artístico rendendo cartas de manifestação de ídolos como Madonna e Paul McCartney, foi motivado por um videoclipe gravado pela banda russa em uma igreja ortodoxa, sem a permissão do clero, onde a banda cantava versos, em tom de oração, como “Virgem Maria, Mãe de Deus, nos ajude e coloque Putin pra fora”. O ato fazia parte de uma campanha na qual a banda pretendia realizar uma série de performances públicas e pacíficas para fortalecer a participação feminina na política russa. O problema, no entanto, foi ter iniciado sua trajetória não só na maré contrária ao proto-ditador Vladmir Putin mas também invadindo espaço religioso e ofendendo quem pouco tinha a ver com a história.

Como Mark Adomanis relata em matéria para a revista Forbes, não foi difícil para que o Kremlin utilizasse seu controle sobre os meios de comunicação para jogar boa parte da população contra o grupo musical. Segundo pesquisa realizada logo após o início do processo, apenas 5% da população acreditavam que nenhuma punição deveria ser dada ao grupo, enquanto 29% sugeriam trabalhos comunitários, 20% uma alta multa e 19% uma pena de reclusão superior a dois anos.

O caso é que, com o apoio de uma boa parte da opinião pública, não foi difícil para que a Justiça russa utilizasse mecanismos soviéticos para dar um recado àqueles que pretendessem realizar manifestações similares. Entre os métodos, constaram a inclusão de acusações que foram mantidas em sigilo até mesmo para as próprias acusadas, uma prisão prematura sem o prévio direito a defesa e a recusa dos juízes em aceitar boa parte das evidências apresentadas em favor das roqueiras.

No final das contas, o fato é que Putin e seu partido estão cada vez mais acostumados ao poder e, apesar de não serem consenso, boa parcela da população parece não se importar com seu crescente autoritarismo. O perigo, para nós, é a forma com que isto será reproduzido na política externa, onde russos buscarão legitimar-se ao garantir um trampolim para ditadores como Ahmadinejad, Hugo Chávez e tantos outros que, na contramão da democracia, tendem a criar ainda mais problemas para o avanço da paz e da qualidade de vida global.

Até que o bolso nos obrigue

(Publicado também pelo jornal Correio da Notícia)

É interessante analisar o poder da imprensa e da sociedade civil na pressão pela aprovação de projetos ou pela tomada de novos rumos por parte dos governantes. A partir de uma análise mais profunda é possível perceber ainda que alguns projetos, como o fim da CPMF ou a aprovação da Ficha Limpa, nunca teriam ido adiante sem a manifestação popular. Podemos elencar ainda, partindo para uma análise sobre o papel da imprensa, a queda de seis ministros do Governo Dilma – sendo cinco por corrupção – sempre induzidas por pressões de veículos como a Veja e a Folha de São Paulo.

No entanto, percebe-se que tal pressão popular tem suas limitações. A história nos diz, e isto ocorre tanto no Brasil como no exterior, que mudanças drásticas só acontecem quando o órgão mais sensível do cidadão é afetado: o bolso.

Foi o caso do impeachment do presidente Collor após o bloqueio da poupança; do colapso da União Soviética após a bancarrota monetária; dos Estados árabes que, apesar da falta de liberdades individuais, acabaram por se rebelar apenas quando chegaram ao auge de sua crise econômica; e, no caso mais recente e caricato, com a saída de Berlusconi que, tendo resistido à todas as denúncias sobre corrupção e imoralidade, mostra sinais de fraqueza ao não conseguir aprovar seu novo pacote econômico.

Isso mostra que, apesar de querermos viver em uma democracia ética, temos como preocupação básica nosso auto-sustento. Sem salário – ou sem poupança – acabamos sendo motivados a tomar posições mais radicais que antes não passariam por nossa cabeça. No final das contas, até nosso sentimento democrático acaba ficando para a última hora…