O Brasil está tão polarizado quanto os EUA?

(Coluna do Marcus André Melo na Folha de São Paulo, 08/05/2021)

A polarização se intensificou nos últimos anos no Brasil e fora dele. Para os EUA, por exemplo, há evidências que a polarização aumentou tanto no âmbito do eleitorado quanto no Legislativo. Ela também mudou de chave: é “afetiva”, tendo por base a rejeição do rival, e não “programática”, com base em políticas.

No Congresso americano, evidências de série histórica de mais de um século (1879 a 2011) sugerem que, a partir dos anos 1980, os democratas e republicanos votam de forma cada vez mais divergente na Câmara dos Representantes.

Uma forma de mensurar a polarização afetiva no eleitorado é através do termômetro do sentimento do eleitor (a): a diferença nos escores atribuídos ao partido com o qual se identifica e a seu rival. O primeiro tem se mantido inalterado, mas o segundo tem crescido monotonicamente: os (a)eleitores (as) rejeitam crescentemente o partido adversário.

Outra métrica possível é “a distância social”: o sentimento dos indivíduos na interação social com membros ou simpatizantes do partido adversário. Elas cada vez mais não se sentem confortáveis em ter membros do partido rival como vizinho, cônjuge, membro da família estendida, colega de trabalho, ou prestador de serviço.

A comparação entre regimes bipartidários e multipartidários requer a ponderação do indicador de rejeição pelo tamanho dos partidos. A polarização é mais clara —e se intensifica— sob os primeiros; enquanto regimes multipartidários tendem a dissipá-la.

Em “American affective polarization in comparative perspective”, 2020, (A polarização afetiva em perspectiva comparada), Gurion et al examina 20 democracias e conclui que os EUA é menos polarizado que Grécia, Portugal e Espanha; tão polarizado quanto França, Grã-Bretanha, Austrália, Itália e Nova Zelândia e menos polarizado que a Escandinávia e Holanda. Mas argumentam que o recrudescimento recente é “singularmente americano”. É provavelmente também brasileiro, eu diria.

O Brasil aparece apenas em estudos comparativos realizadas por Reiljan (2020) e João Victor Guedes Neto (2020). No primeiro destes estudos, que utiliza dados para o período 2001-2016, o Brasil e EUA tem escores similares, e estão na mediana da distribuição. A região mais polarizada do planeta é a Europa do Leste seguida da Europa meridional: Estônia, Hungria, Croácia, Bulgária, Sérvia, Eslováquia, Lituânia e Eslovênia estão dentre os 15 mais polarizados dos 40 países.

A hiperfragmentação e baixíssimo partidarismo político no Brasil —o mais baixo escore da amostra de Laukas et al (2018)— tem criado um partidarismo negativo assimétrico (envolvendo apenas o PT) e mascaram a escalada da polarização.

Quais visões políticas favorecem a polarização?

(Publicado no Politize! em 20/05/2021 por Luiz Andreassa)

Já discutimos aqui no Politize! a polarização no Brasil e no mundo. Ela é uma disputa política entre dois grupos que não aceitam o diálogo, se fecham em suas convicções e não reconhecem a legitimidade um do outro.

A polarização, tal como abordamos naquele artigo, diz respeito ao modo como os grupos e indivíduos enxergam o debate público. Ela não é, portanto, fácil de ser medida com dados concretos.

Porém, é possível analisar resultados de eleições em diversos países para tentar entender onde e como a polarização política acontece. Essa pesquisa foi feita e é sobre ela que vamos falar neste texto.

A polarização na prática

Como medir a polarização de forma empírica, ou seja, a partir da observação de dados concretos?

O cientista político João V. Guedes-Neto analisou dados de pesquisas de opinião pública e de 165 eleições de 52 países entre 1996 e 2019 em seu artigo “The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections”.

(Em português, o título seria algo como: “Os efeitos das atitudes políticas sobre a polarização afetiva: evidências de pesquisa de 165 eleições”)

A intenção era verificar o nível de polarização afetiva nos países e entender como atitudes e visões políticas individuais influenciam esse índice. Polarização afetiva é a diferença no modo como cada indivíduo enxerga os partidos que disputam o poder. 

Com todos esses dados em mãos, o autor aplicou uma série de cálculos para entender o nível de polarização entre dois partidos em cada disputa eleitoral. Dessa forma, ele montou um ranking que traz os seguintes destaques.

Eleições mais polarizadas:

  1. Quênia – 2013
  2. Turquia – 2015
  3. Albânia – 2005
  4. Bulgária – 2001
  5. Turquia – 2018

Eleições menos polarizadas:

  1. Hong Kong – 2004
  2. Taiwan – 1996
  3. Hong Kong – 1998
  4. Filipinas – 2016
  5. Hong Kong – 2000

O fato mais curioso que esses exemplos mostram é que, das cinco disputas mais marcadas pela polarização, três aconteceram depois de 2010 e nenhuma antes de 2000. Entre as menos polarizadas, por outro lado, quatro delas se deram do ano de 2004 para trás. Isso mostra como a polarização aumentou recentemente.

A polarização no Brasil

E em nosso país? Segundo os dados, a eleição presidencial de 2002 teve um alto nível de polarização, enquanto as duas seguintes, 2006 e 2010, tiveram uma queda nesse índice. A partir de 2014, a polarização afetiva volta a subir e, em 2018, fica ainda maior do que foi em 2002.

Esses resultados ratificam a percepção de analistas, jornalistas e eleitores a respeito da divisão da sociedade brasileira nas duas últimas eleições presidenciais, especialmente a mais recente, quando Jair Bolsonaro foi eleito.

É preciso lembrar, porém, que a análise da realidade do Brasil é mais complexa, como aponta o autor. O estudo analisou as disputas entre os partidos com maior presença no parlamento de cada país. Por aqui, nem sempre o partido com mais cadeiras no Legislativo tem presença na disputa presidencial, como foi o caso do PMDB em diversas ocasiões.

Quem é mais polarizado?

Além de mostrar, com números, o quão polarizadas foram as eleições analisadas, o autor do artigo também usou pesquisas de opinião para testar quatro hipóteses e determinar quais visões políticas influenciam o nível de polarização dos indivíduos.

De acordo com os resultados apresentados no artigo, foi possível apontar as seguintes tendências.

Quanto mais ideologicamente radical for o eleitor, MAIS polarizado será seu comportamento

Esta afirmação vem ao encontro da percepção do senso comum a respeito do tema. Nas pesquisas, os eleitores que se definiram mais próximos dos extremos ideológicos tendiam a votar e agir de forma mais polarizada.

Dessa forma, eleitores de extrema-esquerda e extrema-direita tendem a ter menos apreço por seus adversários no campo político.

Quanto mais informado politicamente for o eleitor, MENOS polarizado será seu comportamento

Para chegar à conclusão acima, foi analisado o posicionamento político dos eleitores junto da sua percepção da posição ideológica dos partidos de seus países. Quanto mais a percepção dos eleitores fosse parecida com a dos especialistas, mais bem informados politicamente eles eram considerados.

As pessoas que demonstraram mais altos níveis de conhecimento da política tendiam a ser menos polarizadas. Além disso, viam os partidos concorrentes do seu como menos extremistas, em comparação com quem demonstrou ser menos informado sobre o tema.

Quanto menos o eleitor acredita que sua ação faz diferença, MENOS polarizado será seu comportamento

Para esta hipótese, o autor traz a ideia de “eficácia externa”, que pode ser explicada como o sentimento de que a ação política individual pode fazer a diferença na sociedade.

Conforme mostram os dados analisados, se um indivíduo pensa que suas ações não afetam o sistema político e sua voz não é escutada, ele tenderá a ter posições menos extremadas e polarizantes.

O nível de polarização aumenta conforme o eleitor tem a percepção de que sua atuação individual pode influenciar os rumos da sociedade.

O nível de satisfação com a democracia tem influência variada sobre o comportamento do eleitor

O último ponto teve resultados mais variados que os anteriores. Nele, avaliou-se o quanto a satisfação com a democracia afeta a tendência do eleitor ter comportamento polarizado. O autor chegou à conclusão de que essa relação varia em cada contexto.

Em países onde a população geral mostra maior apoio ao sistema democrático, o nível individual de apoio pouco influencia o comportamento de cada pessoa.

Por outro lado, nos países com menor média de satisfação com a democracia, a satisfação individual tende a aumentar bastante a polarização.

Segundo o autor, isso acontece porque, nos países onde a satisfação com a democracia é maior, é comum que os partidos tenham posições mais ao centro e sejam mais parecidos na forma de governar. Assim, os eleitores com posições mais polarizadas são parte da minoria que não concorda com esses partidos e com o sistema político.

Essa tendência muda em países com menor média de apoio à democracia. Nesses casos, os indivíduos que têm maior apreço por esse regime têm maior probabilidade de exibir comportamentos polarizados.

Referências

Annenberg School for Communication – Affective Polarization: Understanding Division in American Politics

João V. Guedes-Neto – The Effects of Political Attitudes on Affective Polarization: Survey Evidence from 165 Elections

Pesquisa revela o que o brasileiro pensa sobre o lobby

(Publicado no Valor Econômico por Bruno Carazza, 13/09/2021)

Existem diversas hipóteses para explicar a instabilidade política e o baixo crescimento econômico, fenômenos crônicos de nossa história, uma delas é nossa incrível capacidade de não extrair lições a cada crise que abala o país. Enquanto dissipamos nossa energia cívica em disputas ideológicas e eleitorais perdemos oportunidades de aperfeiçoar nossas instituições, até que um outro escândalo nos engolfa novamente.

Na última sexta-feira (10/09), o ministro da Justiça, Anderson Torres, reuniu-se em São Paulo com a diretoria da Federação Nacional dos Bancos, a Febraban. A justificativa oficial dada pela instituição foi que o objetivo era “iniciar tratativas para criação da Estratégia Nacional de Combate ao Crime Cibernético”. Difícil acreditar.

Na última sexta-feira (10/09), o ministro da Justiça, Anderson Torres, reuniu-se em São Paulo com a diretoria da Federação Nacional dos Bancos, a Febraban. A justificativa oficial dada pela instituição foi que o objetivo era “iniciar tratativas para criação da Estratégia Nacional de Combate ao Crime Cibernético”. Difícil acreditar.

Anunciado poucas horas antes, o encontro se deu no dia seguinte às manobras de Michel Temer para acalmar o presidente (e o mercado) – e é bom lembrar que a Febraban havia rachado a respeito dos atos de Sete de Setembro insuflados por Bolsonaro. Contudo, provavelmente nunca saberemos o que exatamente foi tratado entre o ministro e os banqueiros, pois a reunião foi realizada a portas fechadas, sem a presença da imprensa.

No Senado, a CPI retoma seus trabalhos nesta semana tentando esclarecer as negociações nebulosas entre lobistas da Precisa Medicamentos e autoridades do Ministério da Saúde a respeito do contrato bilionário de compra da vacina Covaxin.

Ambos os casos ilustram como, em conversas travadas entre quatro paredes e longe do escrutínio da imprensa e da sociedade em geral, é difícil distinguir legítima defesa de interesses e tráfico de influência no Brasil. Na penumbra dos vínculos que se formam entre representantes do setor privado e agentes públicos, tudo parece toma-lá-dá-cá ou corrupção.

Nesse sentido, é bastante oportuna a divulgação de uma investigação inédita buscando entender como a população percebe o lobby no Brasil. Atendendo a uma solicitação do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), o Instituto DataSenado – um setor específico do Senado Federal que realiza pesquisas de opinião pública, enquetes e análises para subsidiar o trabalho parlamentar – foi a campo no período de 28/04 a 4/05/2021 para entrevistar, por telefone, 3.000 pessoas com 16 anos ou mais, segundo o perfil demográfico do país.

Contando com a colaboração dos pesquisadores Manoel Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of Pittsburgh), dois dos maiores especialistas brasileiros no assunto, a pesquisa acaba de sair e traz resultados instigantes (a íntegra pode ser obtida aqui: bit.ly/3tBwqo7).

Segundo a apuração, os grupos mais influentes na política brasileira hoje em dia na visão dos entrevistados são o agronegócio (76% consideram que o setor influencia muito a aprovação de leis no Congresso) e os bancos (68%), ambos bem à frente dos sindicatos de trabalhadores (43%) e dos brasileiros em geral (36%).

Ao contrário do que indica o senso comum, a maioria dos entrevistados considera o lobby ou a tentativa de influenciar o Legislativo como algo positivo – dependendo de como a pergunta foi feita, um grupo de apenas 20% a 25% vê a prática como lesiva. Mas tudo depende da intenção: se a pressão é feita para abrir novos mercados, 88% consideram aceitável, enquanto apenas 9% reprovam a prática. Se o que está em jogo, contudo, é a obtenção de financiamentos e subsídios, a aprovação cai para 54%, enquanto 40% dos entrevistados condenam a conduta.

Isso não significa, entretanto, que a atividade não deva ser regulamentada: em torno de 70% dos respondentes é a favor de que os contatos de autoridades públicas com representantes de grupos de interesses, empresas, ONGs ou sindicatos devam ser registrados e tornados públicos para que a sociedade tenha conhecimento do que se passa nos gabinetes, escritórios e restaurantes de Brasília, São Paulo ou qualquer lugar em que se reúnam agentes públicos e privados.

No mundo todo existe uma profusão de modelos para se disciplinar o lobby, as relações institucionais ou a representação de interesses – o nome da prática é o que menos importa. Como demonstra a análise comparada feita por Santos e Cunha (2015), dos modelos mais rígidos, como o norte-americano, até regulações mais simples e desburocratizadas como as implementadas no Chile e na União Europeia, há um largo caminho para se ampliar a transparência da atividade no Brasil

Atualmente tramita na Câmara e no Senado pelo menos uma dezena de projetos de lei com o objetivo de regulamentar o lobby, todas buscando jogar luz sobre as relações público-privadas por meio de propostas como obrigatoriedade de se publicar agendas, atas e transcrições de encontros, registro de profissionais e das empresas que representam, quarentena mínima para autoridades públicas mudarem de lado do balcão, entre outros tópicos.

Entre as inúmeras histórias que ilustram os loopings recorrentes da política brasileira, uma das minhas favoritas é lembrar que, no auge do escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, o principal lobista que representava os interesses de Emílio Odebrecht em Brasília chamava-se Cláudio Melo. Mais de duas décadas depois, com a Lava Jato, ficamos sabendo que num famoso encontro para decidir financiamento de campanhas em 2014 o então vice-presidente da República, Michel Temer, recebeu no Palácio do Jaburu dois representantes da construtora baiana: Marcelo Odebrecht e seu lobista em Brasília, de nome Cláudio Melo Filho. No Brasil, a influência econômica na política passa de pai para filho em todos os níveis.

A principal mensagem da pesquisa do Instituto DataSenado é que o brasileiro preza a transparência e quer saber se (ou melhor, como) o dinheiro e a política corroem nossa democracia, seja por meio da corrupção na compra de vacinas, do financiamento das fake news ou das articulações a favor de golpes. Regular o lobby seria um legado importante desta crise institucional em que vivemos – até para minimizar o risco de ela vir a se repetir daqui a alguns anos.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

Qual deve ser o limite da participação do estado na economia?

(Entrevista para o podcast do Instituto Millenium)

A parcela da população que, geralmente, é a favor da intervenção do governo em setores da economia, acredita que cabe ao Estado corrigir supostas desigualdades existentes no mercado, como as diferenças de poder de compra dos consumidores de bens e serviços.

No entanto, é importante lembrar que há uma série de fatores que devem ser levados em consideração antes de se afirmar que esse tipo de interferência é de fato boa para o país.

Na prática, as intervenções do governo só se tornam razoáveis quando atuam diretamente para combater problemas de falhas de mercado que sejam muito grandes ou muito emergentes. Não é papel do Estado redesenhar o sistema na tentativa de reparar danos ou interferir na livre concorrência do setor privado.

O economista João Victor Guedes explica que a intervenção do governo deve, de alguma forma, estimular uma disputa de preços. “Já que vamos esperar uma ação do Estado, respondendo a esses problemas emergentes, que pelo menos ela simule um mecanismo de preço onde, em vez de acabar com a competição, tente gerar algum tipo de competição para que a população possa decidir o que é melhor ou pior”, apontou. Ouça o podcast!

No âmbito da redução da desigualdade social, João Victor Guedes destaca que é necessário que se entenda que o papel do Estado precisa ser muito mais voltado para o incentivo do empreendedorismo do que para a regulação ou proteção das empresas, criando oportunidades para todos e gerando renda. “É reduzir as barreiras de entradas, fazer com que mais pessoas com menos recursos tenham condições de abrir suas próprias empresas, de fornecer seus produtos, de inovar”, reforçou.

Aumento da carga tributária

É importante compreender que o Estado não gera renda e que todo o dinheiro arrecadado vem por meio da tributação, então são sempre os cidadãos que pagam a conta. Por isso, é necessário pensar bem antes de querer que o governo faça interferências na economia.

De acordo com o especialista, quando apoiamos uma intervenção ou o crescimento do Estado precisamos responder três perguntas: “A população acredita que os políticos sabem melhor do que ela mesma como gastar seu dinheiro?”; “Quanto dinheiro a população está disposta a dar para os políticos gastarem?”; e “Será que eu, enquanto pagador de impostos, estou disposto a gastar dinheiro com projetos dos outros?”.

Muitas vezes, quando se pensa no pagamento de um imposto, pensa-se também no recebimento de algum benefício. “Precisamos lembrar que quando eu recebo um benefício, provavelmente, houve alguma negociação para que vários outros grupos também recebessem algum benefício. E eu estou pagando por todos eles”, ressaltou.

O aumento da carga tributária pode quebrar uma economia no longo prazo, como é o caso de alguns países que adotaram esse modelo de confiar em um Estado muito grande.

João Victor comenta que se a população não tem tanta confiança nos políticos, nem está disposta a gastar mais, é preciso limitar o poder dos governantes e parar de pedir benefícios para seu grupo específico. “Assim sua capacidade de negociação com a classe política vai aumentar, o gasto público vai ser reduzido e a quantidade de impostos também. Qualquer desajuste nessa demanda da população por mais benefícios e a sua disposição de pagar por impostos vai levar a um desequilíbrio nas contas públicas a longo prazo”, pontuou.

Vale lembrar que não dá para exigir serviços e benefícios sem querer pagar por isso. Dessa forma, a solução pode ser demandar menos do governo e buscar a redução dos impostos.

“Todo mundo está pagando preço reduzido por meio de impostos”

Outro assunto que tem sido muito comentado é relacionado ao aumento dos preços. E a população em geral precisa entender que uma intervenção estatal nessa questão pode piorar o cenário.

“Vimos recentemente o governo tentando controlar o preço da água, do transporte público, do petróleo. Isso num primeiro momento vai levar a um déficit nas empresas públicas ou empresas reguladas pelo governo. Essa perda de lucratividade vai ter que ser coberta de alguma forma. Alguém vai ter que pagar por isso e, geralmente, esse dinheiro virá do governo, que vai ser coberto por impostos. Então haverá a necessidade do aumento da carga de impostos do dinheiro que estamos dispostos a dar para o governo, para garantir que esses preços estejam artificialmente mais baixos”, esclareceu.

João Victor ressalta que o ponto principal que devemos ter em mente quando o controle de preços está nas mãos do setor público é que “todo mundo está pagando preço reduzido por meio de impostos, enquanto essa redução de preços só beneficia alguns setores específicos”.

No caso dos preços, ainda que se espere que o governo possa de fato trazer soluções, o que ocorre, na verdade, é que uma intervenção vai gerar outros problemas que muitas vezes podem ser piores do que os existentes, como a falta de produtos nos mercados, por exemplo.

O desenvolvimento vem do setor privado

É o setor produtivo quem contribui diretamente no crescimento do país, pois aquece a economia, gera empregos, lucros e melhora a qualidade de vida. “O setor privado só gera desenvolvimento econômico. E o papel do Estado em permitir essa contribuição com a economia é tentar possibilitar com que o setor privado atue de maneira mais livre, incentivando a entrada de cada vez mais pessoas nesse ciclo produtivo”, concluiu.

Em linhas gerais, podemos entender que o limite do papel do Estado na economia deve ser atuar em espaços onde ele consiga criar novas alternativas para estimular o empreendedorismo ao invés de restringir a habilidade e a liberdade de competição do setor privado.

DEM mostra boa capacidade de adaptação nas eleições municipais

(Matéria publicada pela Revista Exame, 09/11/2020, por Sergio Praça)

Os Democratas (DEM) brasileiros estão em ótima posição para as eleições municipais do próximo domingo. Apesar de não terem candidatos fortes em São Paulo nem Rio de Janeiro, e de terem perdido 6% de seus filiados nos últimos dois anos, o partido mostra uma rara capacidade de adaptação aos novos tempos. Essa análise é justificada pela presença do partido na liderança em três capitais: Florianópolis (Gean Loureiro), Salvador (Bruno Reis) e Curitiba (Rafael Greca).

Loureiro, Reis e Greca tentam dar continuidade ao comando do DEM nessas cidades. O que chama a atenção é a mistura de perfis.

Loureiro já pertenceu a muitos partidos. Fez o grosso de sua carreira política no (P)MDB. Filiou-se ao DEM no ano passado para disputar a reeleição. Bom recrutamento do partido: prefeito popular e com a máquina à disposição para ter boas chances em 2020.

Greca foi outra aquisição do DEM em 2019. Tem longuíssima carreira política. Foi ministro do Esporte e Turismo de FHC (1999-2000), vereador, deputado estadual, secretário estadual e deputado federal. Qualquer partido teria sorte em tê-lo em suas fileiras. Greca é popular e tem grande capacidade de arrecadação própria para a campanha – o que o torna menos dependente do (curto) cobertor dos fundos eleitoral e partidário.

Em Salvador, Bruno Reis – aos 43 anos, bem mais jovem do que Greca e Loureiro – mostra que a renovação do partido pode acontecer de maneira mais “orgânica”. Mesmo sendo recém-filiado ao partido, apenas desde 2018, Reis trabalhou como assessor do atual prefeito ACM Neto. Com ele elegeu-se vice-prefeito.

Também ao lado do neto do lendário senador baiano, Reis fez parte do PFL Jovem. Muitos partidos têm um braço organizacional para seus jovens, com o objetivo de doutriná-los para seguirem carreira política. O DEM mostra especial atenção a esse ponto. De acordo com um estudo do cientista político João Victor Guedes-Neto, este braço jovem é menos afeito a hierarquias paralisantes e mais aberto a deliberação e discordância entre seus membros e líderes. (O artigo “Transformação intrapartidária? Um estudo sobre as percepções de poder e gestão entre jovens filiados” foi publicado pela Revista de Sociologia e Política em 2018.)

Ótimo sinal para além de 2020.

Servidor ganha espaço nas Assembleias e faz pressão sobre reforma nos estados

(Entrevista para a Folha de São Paulo, 22/09/2019, por Ana Estela de Sousa Pinto)

Endividados e às vésperas de ano eleitoral, governantes estaduais têm outro desafio no caminho de uma reforma própria da Previdência: terão que negociar com uma fatia de deputados oriundos do serviço público que chega ao triplo da registrada entre os federais.

Na média de todas as Assembleias, essa proporção supera 8,5%, segundo levantamento com dados da Justiça Eleitoral feito pelo economista e cientista político João Victor Guedes Neto.

Essa é a estimativa mínima, porque os dados excluem professores que não tenham especificado a rede pública e podem omitir reeleitos que se identificaram como políticos, por exemplo.

Um terço mais ampla que os 6,63% dos que vieram de funções públicas no Legislativo federal, a parcela chega ao dobro disso no Rio de Janeiro (12,9%) e ao triplo em Rondônia (16,7%).

Segundo Guedes Neto, que tem estudado a atuação de parlamentares em diversos países, o número de egressos do funcionalismo não se traduz diretamente em defesa de interesses corporativos, mas há outros fenômenos que apontam nessa direção.

Um deles é a fatia importante de policiais e outros agentes de segurança pública, que chegaram às Assembleias na esteira da eleição do presidente Jair Bolsonaro. “É uma categoria que tem plataforma muito definida e muito identificada com pleitos corporativos.”

Eles são ao menos 13,3% dos eleitos no Espírito Santo, 11,7% no Rio, 9,3% no Paraná e 7,4% em São Paulo, e podem engrossar a oposição a novas regras que limitem seus benefícios —hoje um dos principais custos para os estados.

Terão que passar pelas Assembleias eventuais propostas de reforma dos governadores. Retirados da proposta original do governo (PEC 6) por deputados federais, que não queriam ficar com o ônus das mudanças, estados e municípios aguardam agora a tramitação de uma PEC paralela que permite a reforma estadual por legislação ordinária.

Se a medida passar, os governadores precisarão de metade dos deputados presentes mais um. Sem a PEC paralela, no entanto, o quórum sobe e pode chegar a três quintos da Assembleia nos casos em que for necessário alterar a Constituição estadual.

Além da obtenção de uma cadeira na Assembleia, servidores influenciam o processo legislativo por outros caminhos, observa Guedes Neto: “A burocracia é quem mais tem conhecimento para redigir os projetos de lei, e o lobby do funcionalismo começa já nessa fase.”

Os servidores também atuam nas análises feitas em comissões e na própria implementação das políticas públicas, diz o pesquisador.

Outra dificuldade é que são da esfera estadual boa parte de serviços que afetam diretamente o eleitorado, como educação, saúde e segurança, o que aumenta o impacto político de greves ou ameaças de paralisação.

Segundo Guedes Neto, embora o alvo principal seja o Executivo, demonstrações de organização e força política elevam a influência das categorias sobre o Legislativo.

Entre as mais organizadas estão justamente as carreiras com aposentadoria especial, como professores e policiais. Como se aposentam mais cedo e ficam mais anos inativos, esses servidores oneram mais as previdências estaduais.

Há estados em que mais da metade dos funcionários faz jus a regras especiais: 62% no Maranhão, no Rio e no Rio Grande do Sul, ou 60% em Santa Catarina, de acordo com levantamento de Josué Pellegrini, da IFI (Instituição Fiscal Independente).

Outra pesquisadora dos Legislativos estaduais, Ana Paula Massonetto considera que as chances de reformas estaduais crescem se elas estiverem na pauta do governador.

Segundo ela, “o Executivo gera mais pressão e incentivos que a opinião pública ou a mobilização dos sindicatos”, porque os deputados estaduais são mais dependentes dos recursos do governo, via repasses para as regiões que eles representam.

Além disso, lembra ela, o lobby do funcionalismo vai estar limitado se o governo não conseguir pagar suas contas e houver risco real de atrasar salários ou demitir comissionados, entre outras medidas.

Pela importância da medida, porém, será inevitável negociação com o Legislativo: “Haverá um preço na liberação de cargos, de emendas e recursos.”

Para a especialista em administração pública, se a via para a reforma não for a PEC paralela, o custo de aprovar a reforma estadual aumenta, e governantes podem não querer ficar com esse ônus.

Especialista em Previdência, o economista Paulo Tafner diz que os governadores terão que pôr na balança o custo de enfrentar o funcionalismo versus o de enfrentar a população, prejudicada pela falência em serviços como saúde, educação e segurança.

“Além disso, com as contas se deteriorando, o servidor será atingido se não houver reforma, pois faltará dinheiro para pagar salários”, afirma.

Apesar da urgência, Tafner considera que mesmo governadores que decidam enviar projetos para a Assembleia podem não conseguir aprová-los.

Sem a PEC paralela, é preciso obter quórum mais alto nos Legislativos, e Tafner considera improvável que a Câmara tome uma decisão antes das eleições do ano que vem. “Aí já será tarde demais para vários estados.”

Além disso, a PEC 6 não define claramente o que se pode fazer em nível estadual, o que cria insegurança jurídica.

O economista tem sido consultado por estados que pretendem enviar uma proposta ainda neste ano, como Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.

Novatos e velhacos

(Entrevista publicada pela Folha de São Paulo, 12/09/2018, por Bruno Carazza em O E$pírito das Leis)

Desde pelo menos as manifestações de junho de 2013, há um clamor difuso na sociedade por renovação na política brasileira. Com a reputação dos políticos tradicionais dizimada por escândalos sucessivos de corrupção, todo tipo de estratégia tem sido tentado para surfar nessa onda e se diferenciar da chamada “velha política”.

Alguns partidos mudaram seu nome e abriram mão até mesmo de serem conhecidos como partidos. Democratas, MDB, Avante, Patriota, Podemos, Democracia Cristã, por exemplo, tentam disfarçar seus verdadeiros nomes de batismo, mas não perderam sua essência de PFL, PMDB, PT do B, PEN, PTN e PSDC.

Houve ainda a criação de novos partidos, embora alguns deles sejam apenas reacomodações de políticos velhos em legendas novas: surgiram o Novo e a Rede, com novas propostas de governança e atuação, mas também o Partido da Mulher Brasileira, o Pros e o Solidariedade.

A tática mais recente de dar nova roupagem à velha disputa político-partidária está no lançamento de muitos novatos na disputa. Como pode ser visto no gráfico abaixo, o percentual de candidatos que nunca disputaram uma eleição antes ultrapassou a barreira dos 40% neste ano, nível mais alto desde 2006 para o cargo de deputado federal.

Ao decompormos esse número entre os partidos, entretanto, fica claro que há um comportamento muito divergente entre eles. Como pode ser visto abaixo, o Novo faz jus ao nome e apresenta o maior índice de outsiders nesta eleição: quase 90% de seus membros que pleiteiam uma vaga na Câmara dos Deputados são completamente virgens em termos eleitorais. E para comprovar que o partido não foi criado simplesmente acomodando em seus quadros antigos políticos de outras siglas, ele não lançou um único candidato que já tenha disputado cinco ou mais eleições anteriores.

Analisando o gráfico a seguir, é possível constatar que os partidos menores, ameaçados pela cláusula de desempenho, estão entre os que mais investiram em novos nomes nesta eleição: Novo, PCO, PMB, o PSL de Bolsonaro, a Rede de Marina Silva, entre outros, deram ênfase na captação de neófitos para tentar obter pelo menos 1,5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados – distribuídos em 9 Estados, com pelo menos 1% em cada um – e assim continuar tendo acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito em rádio e TV a partir de 2019.

No extremo oposto, partidos tradicionais, mais bem estruturados, ofereceram pouca abertura para os novatos, concentrando seus esforços em nomes mais experientes. Dessa forma, os tradicionais PSB, PT, PSDB, MDB, PR, DEM e PP estão entre aqueles com menor índice de estreantes nesta eleição. Aliás, PT e PR têm os maiores percentuais de raposas velhas nos seus quadros, sendo que quase ¼ de seus candidatos têm no currículo cinco ou mais eleições.

A despeito dessa grande variedade de perfis entre os partidos no que se refere ao histórico de seus candidatos em eleições passadas, isso tem poucas consequências práticas.

Em primeiro lugar, se as barreiras à entrada são mínimas – os partidos em geral são bastante receptivos e os custos de registro de candidaturas são baixíssimos (basta o preenchimento de alguns formulários) – as chances de sucesso bem reduzidas.

A experiência das últimas eleições indica que apenas 10% das vagas são preenchidas por novatos. E, nesse caso, se o novato não dispuser de um parente político (para garantir acesso ao dinheiro do político e aos cabos eleitorais), ser bastante rico (para bancar sozinho os elevados custos de campanha), ser uma celebridade ou dispor de um rebanho de fiéis (o que dispensa gastos elevados com marketing eleitoral), é praticamente impossível conseguir uma vaga de primeira. Os dados da eleição de 2014 demonstram isso.

Mas existe uma outra notícia ruim para quem espera que mais candidatos novatos pode levar a uma verdadeira renovação na política brasileira. Num interessante estudo que está prestes a ser publicado num periódico internacional, os pesquisadores Manoel Leonardo Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of Pittsburgh) investigaram se políticos novatos e tradicionais enxergam o mundo de modo diferente. O artigo se chama “Renovando a política ou mais do mesmo? Comparando novatos e políticos tradicionais nas legislaturas latino-americanas”.

Mediante a pesquisa de um banco riquíssimo de entrevistas realizadas pelo Projeto de Elites Parlamentares da América Latina (PELA) da Universidade de Salamanca, Santos e Guedes-Neto compararam as respostas de 1.155 deputados eleitos recentemente em 17 países da América Latina a respeito de três temas controversos: combate à corrupção, casamento entre pessoas do mesmo sexo e papel do Estado na economia.

Os autores levaram em consideração, em seus testes econométricos, não apenas o fato de o parlamentar ser ou não um outsider na política, mas também se ele pertencia a uma família de políticos ou se era jovem (até 35 anos), além das variáveis de controle “ser de oposição ao governo” e “se posicionar mais à esquerda ou à direita no espectro ideológico”.

Os resultados encontrados são frustrantes para quem espera, de novatos, uma visão de mundo diferente dos políticos tradicionais. Embora parlamentares estreantes têm em média uma preocupação mais forte com o combate à corrupção, de modo contrário ao senso comum esse efeito é menor entre jovens políticos que não têm vínculos familiares com os antigos donos do poder.

Da mesma forma, o fato de estar ou não exercendo um novo mandato não foi relevante no que diz respeito à tolerância à igualdade entre os sexos. Neste quesito, o efeito parece ser geracional: deputados jovens costumam aceitar melhor o casamento entre homossexuais, independentemente no número de mandatos que acumulam.

Por fim, em termos de regulação econômica, novatos sem laços de parentesco com políticos e jovens tendem a ser mais intervencionistas, embora o resultado também não seja muito robusto.

De maneira geral, e isso vale para as três dimensões estudadas pelos autores, as variáveis ideológicas foram mais relevantes do que o fato de um parlamentar ser ou não novato: independentemente da experiência política prévia, membros da oposição tendem a ser mais combativos à corrupção, enquanto políticos de esquerda costumam ser mais liberais nos valores (casamento homossexual) e pouco propensos a aceitar políticas econômicas pró-mercado.

As conclusões encontradas pelos professores Manoel Santos e João Victor Guedes-Neto, quando somadas às grandes limitações institucionais do nosso sistema eleitoral, jogam um balde de água fria em quem clama por renovação na política brasileira.

O grande número de estreantes nas urnas em outubro próximo é ilusório: poucos deles vingarão, e aqueles que o fizerem tendem a pensar e agir como os velhos políticos tradicionais. Entre novatos e velhacos, teremos mais do mesmo por mais quatro anos.

Diploma para quê?

(Publicado pelo Valor Econômico [29.03.2016])

Graduar-se no ensino superior brasileiro já foi algo de muito prestígio. Atualmente a situação está se deteriorando. Por um lado, a questão é positiva: a quantidade de vagas disponíveis se multiplicou permitindo que uma grande massa passasse a ter acesso às faculdades públicas e privadas. Mérito para programas governamentais como o FIES, PROUNI e REUNI. Por outro lado, a rápida expansão quantitativa deixou a desejar no quesito qualidade. São comuns faculdades cuja única função é imprimir diplomas, sem a mínima preocupação com o conteúdo a ser ensinado.

Uma das formas de se perceber esta defasagem está na análise da evolução de dados como a produtividade do trabalhador e a competitividade brasileira em setores que demandam profissionais altamente qualificados. Vamos entendê-las por partes.

A produtividade média do trabalhador resulta da divisão da produção total de uma economia pela quantidade de trabalhadores. Nas décadas de 1950 e 1960, nossa produtividade crescia a uma média de, respectivamente, 3,65% e 4,76% ao ano. A quantidade de anos estudados era mínima. Algo comparável ao Haiti. No entanto, a rápida industrialização brasileira e o êxodo faziam com que o antigo trabalhador rural aumentasse o valor de sua produção ao virar operário nas fábricas dos grandes centros urbanos.

Na década de 1990 a média era 1,70% ao ano. Entre 2000 e 2010, passou para 1,17%. Isto significa que, mesmo com a grande quantidade de novos formandos, programas como o FIES, PROUNI e REUNI não conseguiram ao menos superar os anos 1990, década em que o Brasil contraiu sua economia (e seu gasto em educação) para resolver o problema da inflação.

Se isto já é preocupante, o alarme aumenta quando percebemos o que ocorreu com nossa produção. No ano 2000, 58,4% das exportações brasileiras eram compostas de produtos manufaturados. Em 2014, este número caiu para 34,8%, melhor apenas que o índice atingido em 1978. Isto significa que o Brasil é hoje mais atrasado que nos anos 2000, 1990 e 1980, voltando a ser um país primário como na década 1970.

Mas com essa nova leva de universitários incluindo os milhares de jovens formados no exterior pelo programa Ciências sem Fronteiras, é imaginável que estas poucas manufaturas exportadas sejam produtos com alta tecnologia agregada. Pelo contrário! Em 2001, 19,24% de nossas exportações eram compostas por bens intensivos em pesquisa e desenvolvimento. Em 2014, o número caiu para 9,63%. Em termos práticos, deixamos de fazer aviões para exportar minério de ferro.

Mas se estamos tão mal assim… A solução é investir mais em educação? Não! Dou um tiro no meu próprio pé, como professor, afirmando que o investimento é suficiente e até maior do que necessário. Precisamos de novas leis para incentivar a pesquisa de alta tecnologia nas empresas? Também não! A legislação brasileira sobre inovação é recente e extremamente moderna. Além do mais, existem diversas linhas de financiamento exploradas de maneira muito primitiva até o momento.

Em primeiro lugar, um empresário só se arrisca a investir em inovação se o risco compensar o lucro. Atualmente não é nossa realidade. A economia brasileira é fechada. Produtos estrangeiros são caros e demoram a chegar. Neste cenário, vale à pena ter produtividade baixa e de má qualidade, já que a competitividade não é tão acirrada. É por isso que nos anos 1990, quando abrimos a economia e cortamos os subsídios, nossas empresas atingiram seu pico de investimento em pesquisa e desenvolvimento.

É verdade que este remédio é amargo. Apesar de ganhos na produção de bens com alta tecnologia agregada, fomos atingidos por uma maré alta de desemprego como consequência das falências geradas pela enxurrada de produtos estrangeiros no país. A amargura, no entanto, é passageira, já que força a classe empresarial a investir em competitividade e à crescer de forma sustentável visando o longo prazo. É diferente das políticas protecionistas que, apesar dos altos ganhos de curto prazo, acabam gerando crises como a que vivemos atualmente.

No lado da educação, devemos aprender que o diploma em si não vale nada. Precisamos deixar de lado a cultura de fazer faculdade para prestar concurso. Pior, devemos parar com nossa mania de delegar poderes aos conselhos federais que cada vez mais criam reservas de mercado para determinadas profissões – como se o diploma, em si, fizesse de alguém um profissional mais competente para exercer funções.

É por conta desta fixação em diplomas que se tornou comum ouvir em empresas que o que é aprendido em sala de aula pouco vale no mercado de trabalho. Ainda assim, é importante para diversos empresários ter em seus quadros alguém com registro professional de engenheiro, advogado, administrador, estatístico, nutricionista, etc. Sem ele, muitas atividades econômicas não podem ser realizadas, impedindo a viabilidade do négocio.

A situação se altera quando as empresas passam a buscar um nível de especialização que atualmente não é demandado. Passa a ser contratado não o profissional quem possui apenas uma assinatura, mas o conhecimento específico que o torna capaz de aumentar a competitividade do negócio. Neste contexto, universidades são pressionadas por seus clientes, os alunos, a deixar de ofertar apenas um papel mas, principalmente, habilidades específicas que poderão garantir uma colocação no mercado de trabalho. Isto demanda das instituições de ensino professores mais qualificados, laboratórios e centros de pesquisa mais avançados e, principalmente, um processo de otimização no gerenciamento de seus recursos financeiros.

Mais uma vez, dependemos do remédio amargo que é a abertura econômica. Como dito, não é um caminho fácil. Mas é a partir dele que construímos uma nova realidade econômica onde reformas específicas, sejam elas públicas ou privadas, tomam por foco não a proteção de interesses especiais mas o aumento contínuo da valorização do conhecimento e da competitividade.

O Brasil ficou para trás

(Publicado pelo Instituto Liberal e pelo Instituto Millenium)

A OCDE apresentou novas projeções para o crescimento da economia global em 2016 e 2017. Em ambos os períodos o Brasil aparece entre os piores países do planeta, partindo de uma recessão de 3,8% no PIB em 2015 para uma queda ainda maior, 4,0%, em 2016 e sua manutenção em 2017. Isto significa que a crise neste ano tende a ser ainda maior do que a do ano passado.

Os números da consultoria Goldman Sachs são mais “otimistas”, prevendo uma contração de “apenas” 1,6%. Isto significa estar bem atrás da Rússia, que passou por crise semelhante em 2015 mas tem previsão para crescimento de 1,5% em 2016. Também significa que paramos no tempo em relação ao resto do mundo, que crescerá 3,5% carregado pelo bloco emergente – do qual fazemos parte – com projeção de alta de 4,9%.

A culpa é da crise política, vão dizer. Se o judiciário e o Congresso Federal não permitem que o governo faça o seu trabalho, como podemos esperar um resultado diferente? O argumento da situação faz sentido. Instabilidade política e crise econômica costumam andar de mãos dadas. Vejamos só a Argentina que, mesmo com educação e economia de primeiro mundo até a década de 1940, se afundou em crises e mais crises no resto do século XX por não conseguir um pingo de estabilidade política.

O motivo para esta relação é simples: qual empresário vai aventurar seu dinheiro em um país onde não se sabe o que acontecerá no dia seguinte? E sem empresários, quem pagará os salários que, além de qualidade de vida, fazem o consumo e a produção crescerem?

No entanto, a teoria falha em explicar o que vem primeiro, a crise política ou a crise econômica. Não é fácil afirmar se o PT está instável por causa da economia ou se a economia está instável por causa do PT. Explicações razoáveis existem dos dois lados. Nenhuma é definitiva.

O ponto principal é que o mercado (nós, nosso dinheiro e nossa decisão de gastar ou não) não tem ideologia. Um empresário não decide aumentar ou diminuir sua empresa com base na filiação partidária. O mesmo se aplica ao consumo do cidadão. Gastamos dinheiro quando acreditamos que o cenário é favorável e seguramos as contas quando estamos inseguros. Neste caso, tanto faz se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha.

O que é importa é que 2016 tem tudo para ser o ano mais difícil do século XXI. Importa também que o mercado, representando a população, não acredita na competência do Governo Federal para gerir a crise. E finalmente, importa por que perdemos mais uma vez a chance de nos aproximar do mundo desenvolvido.

O Movimento Duplo do PT

(Artigo publicado também pelo Instituto Liberal e no blog do Rodrigo Constantino [Revista VEJA])

Autor conhecido da esquerda internacional, Karl Polanyi (1886-1964) foi um dos fundadores da Sociologia Econômica. Em seu livro mais conhecido, “A Grande Transformação” (1944), narrou seu entendimento sobre a evolução do capitalismo e dos métodos utilizados pela burguesia para se perpetuar no poder. É verdade que boa parte desta obra é panfletária e não pode ser tratada como ciência. Ainda assim, uma de suas teorias, o Movimento Duplo, faz enorme sentido até mesmo na atualidade, cinco décadas depois do livro.

Movimento Duplo do PT (VEJA)

O conceito é simples. Baseado em evidências históricas, Polanyi afirmou que ao chegar ao poder, a burguesia deixava de defender unicamente o mercado – melhor, o livre mercado – e passava a implementar medidas socialistas para acalmar a classe trabalhadora e, a partir daí, se perpetuar no poder. Salário mínimo, previdência pública e carga horária máxima são algumas das políticas apontadas pelo autor para comprovar sua teoria.

A crítica do autor, socialista ferrenho, estava no fato de que aquelas medidas seriam paliativas, intencionadas a evitar uma revolução socialista e, por terem sido adotadas como foram, só serviam para perpetuar a condição de pobreza e submissão do trabalhador frente à classe empresarial – ou burguesa.

Polanyi, no entanto, desconsiderou uma hipótese: será que o mesmo Movimento Duplo também aconteceria nos países governados pela classe trabalhadora? Seguindo a mesma linha teórica, isto significaria que o partido socialista, eleito pelas camadas mais pobres de um determino país, implementaria uma série de medidas para beneficiar agentes burgueses, como bancos, grandes empreiteiras, extratores de minério e frigoríficos a fim de perpetuar sua dominância. Ainda assim, seu objetivo teria sido gerar avanços em uma economia de mercado mas, pelo contrário, perpetuar sua posição soberana sobre todos daquela nação.

Por conta desta intenção, os burgueses beneficiados não necessariamente seriam aqueles cuja produção fosse a mais demandada pela sociedade. Também não seriam aqueles cujos departamentos de recursos humanos fossem os mais benevolentes com trabalhadores contratados. Pelo contrário, seriam os burgueses capazes de, não importa a forma, garantir a permanência daquele partido, dito representante da classe trabalhadora, no poder.

Às vezes me pego imaginando Karl Polanyi se revirando no túmulo vendo, cada dia mais, que a gestão do Partido dos Trabalhadores conseguiu, sem margem de erro, reproduzir fielmente o exato contrário de sua obra escrita ainda em 1944.

Após anos e anos se apresentando com a cara barbuda e suada do sindicalismo brasileiro, o PT se elege com uma carta direcionada a classe empresarial, beneficia o mercado, escolhe a dedo seus aliados burgueses e garante quatro mandatos consecutivos na presidência do Brasil. Entre um Eike e um Odebrecht, aparece um ministro banqueiro como salvador do proletariado que agoniza enquanto milhões, ou bilhões, são enviados para a Suíça.

No final das contas, três coisas servem de consolo: o mundo não é mais esta dualidade burguesia versus proletariado, o PT não representa ninguém e os burgueses corruptos, escolhidos a dedo por Lula e sua turma, cairão um por um até levar consigo os soberanos da dita classe trabalhadora.

BNDES: Um bom negócio para o Brasil?

(Publicado pelo Instituto Liberal)

No dia 23 deste mês, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) publicou uma carta endereçada à Rádio Jovem Pan na qual procurou desmentir o editorial da jornalista Rachel Sheherazade que afirmava que o BNDES “financia obras bilionárias fora do Brasil a juros desconhecidos, com prazos misteriosos e condições secretas”. O contraditório apresentado pelo banco estava na transparência dos dados, publicados na internet por meio da plataforma BNDES Transparente, na metodologia empregada, onde sempre uma empresa exportadora de bens ou serviços recebia o dinheiro no Brasil, na garantia de retorno, já que em todas as operações havia cobrança de juros, e, por fim, no baixo orçamento destinado a este tipo de operações: 1,6% do total desembolsado pelo banco.

A curiosidade me forçou a verificar o tal BNDES Transparente, do qual nunca havia ouvido falar, e fazer alguns cálculos de matemática financeira básica para verificar as afirmações do banco. Minhas dúvidas eram três: 1) os dados estão disponíveis?; 2) os valores são pequenos?; e 3) as operações trazem retorno financeiro para o país?.

Acessei o site e, como as operações realizadas pelo banco envolviam projetos em onze países (Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, Moçambique, República Dominicana e Venezuela), decidi escolher apenas um para realizar minha análise. Por razões ideológicas bem óbvias, optei por Cuba, terra dominada pela ditadura Castrista desde 1959.

Ao todo, são sete os projetos financiados pelo BNDES em Cuba majoritariamente por meio de empréstimos à Companhia de Obras e Infra-Estrutura, subsidiária da Odebrecht que atualmente está afundada no lamaçal da Operação Lava-Jato. A soma total dos empréstimos atinge a marca de US$846.936.391,00 (no câmbio atual, algo em torno de R$2,84 bilhões) e engloba um projeto no campo médico, a ampliação e aquisição de equipamentos para cinco aeroportos e, principalmente, diversas obras no Porto Mariel, sozinho responsável por R$2,28 bilhões.

Acessando o maior dos empréstimos concedido a subsidiária da Odebrecht, é possível perceber que em 16 de maio de 2013 a empresa recebeu US$229.910.550,00 para a quinta etapa das obras de ampliação e modernização do já citado porto, a serem pagos em um prazo total de 300 meses à taxa de 5,067% ao ano.

Tendo conhecimento dos valores totais, das taxas e períodos, coube comparar este investimento do BNDES com dados simples, como nossa inflação e a taxa de juros brasileira, que se trata daquilo que o governo pode remunerar investidores por meio de determinados títulos públicos. Para 2013, a inflação efetiva medida pelo IPCA atingiu a marca de 5,91% ao ano enquanto a taxa de juros variou entre 7,12% e 9,90% (dados do Banco Central do Brasil). Atualmente, a previsão de inflação para 2015 está em 9,04% e a taxa de juros se encontra em 13,15%.

Basicamente, estes números significam que o retorno deste empréstimo é inferior ao da inflação, fazendo o dinheiro recebido valer menos do que foi pago, e que uma simples operação de compra de títulos públicos poderia ter rendido ao BNDES praticamente o dobro daquilo que rende a construção de um porto em Cuba.

Voltando às minhas perguntas originais, 1) a plataforma BNDES Transparente realmente existe e disponibiliza determinados dados, apesar de manter em sigilo detalhes contratuais; 2) o valor disponibilizado apenas para Cuba, R$2,84 bilhões, pode ser pequeno para o BNDES, mas certamente faria muita diferença se aplicado em nossa própria infra-estrutura ou na redução de impostos; e, finalmente, 3) a não ser que os economistas do BNDES tenham posse de uma fórmula fantástica e misteriosa, não consigo entender como esta operação tenha trazido algum retorno financeiro para o Brasil.

Dólar: mitos e verdades

(Publicado pela Gazeta de São João del-Rei [21/03/2015])

Manchete em diversos jornais, a alta do dólar tem sido assunto frequente nas rodas de conversas até mesmo dos brasileiros que não tem a pretensão de viajar para o exterior. Representa um indício de crise econômica e parece afetar principalmente a “elite branca” que passa férias em Miami. Gostaria de utilizar as próximas linhas para desmistificar o assunto, explicando origens e conseqüências deste fenômeno.

Em primeiro lugar, a desvalorização da moeda não é coisa recente, nem se restringe a um indício de crise. Desde as últimas décadas do século XIX foi política oficial de diversos governos latinos que utilizavam a medida para proteger a indústria nacional. A fórmula é simples: imagine que um produto importado custa 10 dólares. Se um real vale um dólar, o produto custa 10 reais; se três reais valem um dólar, o produto passa a custar 30 reais. Com essa desvalorização, produtos estrangeiros ficam mais caros e o consumidor passa a dar preferência para bens produzidos no Brasil.

A medida é comumente defendida por nacionalistas que bradam a importância de uma indústria nacional forte como pilar para melhorar nossa qualidade de vida. A história prova exatamente o contrário. Na prática, o consumidor passa a ter acesso a menos produtos que, em geral, ficam mais caros e com qualidade inferior. Os empresários, por sua vez, não precisam competir para vender sua produção, permitindo que empreguem menos tecnologia e menos controle de qualidade. Depois de certo tempo neste cenário ilusório de protecionismo cambial, a indústria nacional perde completamente o senso de competitividade e, em uma abertura de mercado, acaba quebrando em massa. Foi o que aconteceu no Brasil nas décadas de 1980 e 1990.

Os governos sabem disso. A história se repetiu em toda a América Latina nestas décadas e, por isso, este tipo de protecionismo foi abandonado pela maioria de seus governos. Exemplo é o que fez Carlos Menem na Argentina em 1991 e a equipe de Fernando Henrique Cardoso no Brasil em 1993-1994 quando criaram a paridade do um peso/real por um dólar. Recentemente, quando percebemos a alta do dólar, raramente há uma intenção direta do Governo Federal. Há exceções, claro, mas a regra é que isto seja causado por fenômenos externos, como uma fuga de capitais.

Sendo mais explicativo, quando a demanda por um determinado bem cai, a tendência é que seu valor também caia. No inverno, o baixo consumo de sorvetes leva à queda no seu preço. É o que acontece com nossa moeda. Quando as pessoas acreditam que uma crise está em curso, vão retirar seu dinheiro do país para investir no exterior. A baixa demanda por reais faz seu preço cair e, logicamente, leva a uma alta no dólar. É o que tem acontecido atualmente com a credibilidade extremamente negativa da presidente Dilma Rousseff.

No geral, você pode até não viajar para Miami, mas certamente consome algo que ficará mais caro: um tênis, uma televisão, um serviço pela internet ou até mesmo um quilo de carne (oriundo de uma vaca brasileira alimentada com soja negociada a preços americanos).

Então, quando for discutir o assunto com seus amigos, se lembre: a desvalorização não é recente, mas a causa atual sim; a indústria nacional deve ser valorizada, mas não pode ser mimada; e a alta do dólar também afeta você, que ao invés de Miami prefere passar as férias em Poços de Caldas.

Quem é o mercado?

(Publicado pelo Instituto Liberdade, Instituto MilleniumBem Paraná [28/10/2014], Diário do Nordeste [02/11/2014], Últimas Notícias e Correio do Papagaio [30/10/2014])

Tem sido comum ler em jornais, blogs e outros veículos de imprensa que a reeleição da presidente Dilma Rousseff gera mau humor no mercado. No dia seguinte à eleição, matéria do Estadão tentava explicar o porquê do mercado ter azedado. Conteúdo semelhante fora replicado pela Reuters, Valor Econômico, El País e Globo, entre outros. Uma dúvida fica: quem é esse tal de mercado?

bemparana

Engana-se quem diz que o mercado é a bolsa de valores. Ainda que as variações da BOVESPA sejam utilizadas para verificar a evolução do mercado, esta ainda não foi capaz de personificá-lo. Estão igualmente errados aqueles que apontam para o senhor gordo, de terno, cartola e charuto que, nos desenhos e charges, representa o mega empresário, monopolista e detentor dos meios de produção. Esta figura folclórica não existe mais. As grandes empresas têm milhares de donos que nem ao menos se conhecem. As pequenas, por sua vez, são lideradas tanto pela elite quanto pelos mais pobres – principalmente depois do estabelecimento do Micro Empreendedor Individual.

Nas ciências econômicas, o conceito de mercado está relacionado à esfera abstrata onde as trocas são realizadas. Bem como a sociedade é, grosso modo, um conjunto de pessoas integradas por uma cultura, modo de vida ou outro aspecto comum, o mercado representa um conjunto de pessoas que, com objetivos divergentes ou semelhantes, produzem e trocam bens. Em termos mais simples, o mercado é você, seu pai, sua mãe, seus filhos, seu chefe, seus empregados e seus amigos.

Ainda assim, dizer que o mercado esteja de mau humor não significa que, após uma pesquisa do IBGE, percebeu-se que o cidadão médio não tem sorrido ao acordar. Entendendo que um dos princípios econômicos é que as pessoas reagem a incentivos, o mau humor do mercado se relaciona ao fato de que as pessoas, ricas ou pobres, estão com receio de investir pois não sabem se a situação econômica do país permitirá obter lucros.

A eleição de Dilma Rousseff é incontestável. A margem de vitória foi apertada, mas ainda assim garantiu ao Partido dos Trabalhadores mais quatro anos à frente do país. Cabe à governante reeleita mostrar à população que estará empenhada em criar um clima favorável para os negócios, com previsibilidade econômica, menos burocracia e uma carga tributária que não seja impeditiva para o empreendedorismo. Para tal, a presidente e sua equipe econômica devem se lembrar que o empresário do século XXI não é o monopolista de cartola, mas o cidadão médio que, a partir de uma micro-empresa, gera empregos em sua comunidade.

Educação de rico

(Publicado pelo Instituto Liberdade, Gazeta de São João del-ReiCM Consultoria e Correio)

Após a tragédia que nos deixou sem Eduardo Campos, tem sido constante a publicação de uma série de suas frases de efeito. Uma delas, o desejo de “dar ao filho do pobre a mesma educação recebida pelo filho do rico”. A frase foi comentada com muita euforia pelo senador Cristovam Buarque, ex-candidato à presidência e agora espectador de luxo da luta pelo Palácio do Planalto.

O comentário aconteceu durante entrevista concedida à GloboNews onde falou de sua ligação com Campos e seu projeto de federalização da educação. Basicamente, o senador brasiliense acredita que o Governo Federal deva exercer um forte controle sobre a educação em todo o país e, ditando como funcionarão as escolas, padronizar o ensino do filho do pobre e do filho do rico.

Infelizmente, Buarque demonstra não conhecer bem o país no qual reside. Padronizar a educação em todo país significa que a criança no interior do Amazonas aprenderá as mesmas coisas que aquela no centro urbano de São Paulo, independente do contexto onde estão inseridas ou das necessidades que a realidade local impõe. Também significa que a pluralidade de modelos pedagógicos será limitada à apenas um, definido por um planejador central, impedindo qualquer forma de inovação educacional, mesmo que proveitosa e do interesse dos pais – sejam eles pobres ou ricos.

Apesar de dizer na mesma entrevista que o socialismo radical é coisa do passado, prega um modelo educacional similar ao de Cuba, da União Soviética e da Coréia do Norte, nações que faliram ou pararam no tempo. Rejeita a descentralização e a liberdade da família ao educar seus filhos, como acontece nos Estados Unidos e na Holanda. Rejeita a possibilidade de ter escolas de diversos modelos pedagógicos, adaptadas ao contexto em que estão inseridas. Rejeita aos pais – pobres e ricos – o direito de decidir como querem educar seus filhos.

Construir um sistema educacional que garanta ao filho do pobre a mesma educação recebida pelo filho do rico demanda um estudo que vá além da literatura marxista. Demanda entender que o filho do pobre começou a ser educado a partir do século XIX em escolas técnicas, dedicadas a formar a mão de obra que ocuparia os cargos criados pelo processo de industrialização. Neste cenário, o filho do pobre estudava por menos tempo e aprendia lições práticas, podendo entrar no mercado de trabalho antecipadamente já que não possuía dinheiro suficiente para estudar por anos e anos, como o filho do rico. Este, por sua vez, preferia os cursos clássicos, que permitiam uma formação universitária de elite em cursos como direito, medicina e economia. Isto perpetuava a posição social de ambas as famílias.

Atualmente, o cenário não é tão diferente. O filho do pobre vai para a escola pública, de baixa qualidade, e tem de abandonar os estudos ao término do Ensino Médio para entrar no mercado de trabalho. Com muita dificuldade, retorna aos livros em universidades particulares fracas, financiadas por programas como o FIES ou o ProUni. O filho do rico, por sua vez, decide se quer estudar em escola pública ou privada. Em geral, escolhe a privada, pois sua qualidade é superior. Entra em uma universidade federal, de qualidade, e ao término de seu curso pode fazer uma pós-graduação. Entra no mercado de trabalho após os 23 anos com um salário atraente ou dá continuidade aos negócios dos pais.

Equalizar este cenário não significa nivelar por baixo, restringindo todos à fraca educação básica ofertada pelo Estado. Significa subsidiar o acesso ao ensino básico privado, permitindo ao filho do pobre – bem como ao do rico – escolher se quer estudar na escola pública ou na escola privada. Significa também permitir que o pobre possa estudar por tanto tempo quanto o rico, subsidiando sua estadia em cursos superiores de graduação e pós-graduação.

Por fim, significa mostrar à população que não existe almoço grátis, ou seja: se fez uso dos subsídios do governo ou de instituições públicas de ensino, é dever destinar parte do seu salário, pelo menos por certo período, para o financiamento da educação – proposta defendida por Buarque enquanto Ministro da Educação de Lula, mas esquecida desde que deixou seu posto.

Eleições na Europa: o que muda para nós?

(Publicado pelo Jornal do Brasil)

Os países da União Europeia estão mobilizados desde o dia 22 deste mês para definir o futuro de seu parlamento regional. Evento pouco conhecido por nós, brasileiros, a eleição europeia tem o poder de definir os nomes que serão responsáveis pela coordenação do bloco em questões críticas como a crise financeira, a legislação de migração e a integração comercial dos países-membros.

Mas, por que isso nos importa? Porque ainda que os países da União Europeia não sejam mais tão importantes quanto já foram nas relações comerciais do Brasil, as decisões tomadas por lá têm o poder de impactar profundamente nossa economia e nosso estilo de vida. Em 2008, por exemplo, foi dito pela nossa Presidência que a crise internacional chegaria ao Brasil apenas como uma marolinha. Infelizmente, a marolinha foi maior do que o esperado, e desde então amargamos margens pífias de crescimento – seguindo a tendência da Europa, que até hoje não se arrumou. A política migratória, por sua vez, afeta os que gostam de viajar. Até o momento, temos o direito de passar até três meses em qualquer país da União Europeia sem nos preocuparmos com vistos. Membros dos partidos da extrema direita, como o Liberdade e Democracia e os Reformistas e Conservadores Europeus, acreditam que isto é um erro e querem impor sérias barreiras tanto ao turismo quanto à migração. Nas relações comerciais, a agricultura é um dos principais temas. Os altos subsídios garantidos pela Europa a seus produtores rurais fazem com que nossa agricultura amargue prejuízos seguidos, tendo que baixar seus preços para acompanhar os índices internacionais. Isto gera, entre outros fenômenos, um êxodo rural, que aumenta ainda mais o desemprego em nossas metrópoles. Sabendo disto, cabe a nós entender as flutuações eleitorais e o que cada partido apresenta de novo neste processo.

Primeiramente, cabe desmistificar um mito: fala-se que a extrema direita está crescendo e que isto é um mal. Inicialmente, o entendimento de direita por lá e por aqui é diferente. Por aqui, pensa-se no capitalismo. Por lá, no isolacionismo, mais barreiras e menos miscigenação. Ainda não há este crescimento suposto por nossa imprensa. É verdade que em alguns países estes radicais ganharam uma expressão nunca vista na história do Parlamento. França, Dinamarca e Áustria são exemplos. Ainda assim, em termos gerais, os partidos deste espectro permanecem do mesmo tamanho (minoritário), ou até menores, quando comparados com o resultado das últimas eleições. Um dos fatores reside na perda de espaço em nações-chave como a Holanda.

Outro mito está na mudança de rumos do Parlamento. É verdade que o Partido Popular Europeu, maior do Parlamento, sairá reduzido. Das 274 cadeiras em 2009, a tendência é fazer pouco mais de 200 deputados. Ainda assim, permanece o maior partido do bloco, e seus posicionamentos – uma reprodução regional do que prega Ângela Merkel na Alemanha – continuam ditando boa parte do que acontecerá na Europa.

Por fim, o que muda? Em termos decisórios, praticamente nada. A ordem de partidos continua praticamente a mesma, pelo menos entre os maiores: respectivamente, Partido Popular Europeu (EPP), Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (Alde), e Partido Verde Europeu.

Por outro lado, em termos políticos, há uma tendência para a qual devemos estar atentos. O número de votantes é relativamente baixo. Apenas 43% dos eleitores compareceram às urnas nesta eleição, que é voluntária, diferente da nossa. Em países como a Eslováquia e a República Checa, respectivamente, 13% e 19,5% votaram. Aumentando a tendência do desejo por mudanças, é provável que mais de 10% dos eleitos não estejam filiados a nenhum partido político e, portanto, representem um grupo flutuante que pode colaborar tanto com os moderados quanto com os grupos extremistas. Não se acredita que isto influenciará os rumos da Europa de uma maneira geral, mas é possível que surpresas aconteçam em questões pontuais – principalmente no tocante à mobilidade de estrangeiros, como nós.

Por fim, a mensagem que fica é que por lá, bem como por aqui, o cidadão médio é moderado mas quer mudanças. Sente no bolso e na qualidade de vida o impacto dos maus governos e espera da classe política uma representação mais efetiva do seu interesse. Ainda assim, está desapontado e, mesmo temente sobre o futuro, tem dificuldades em crer que uma mudança no Parlamento causará algum impacto em sua vida. Que o próximo Parlamento não imponha uma distância maior entre o Brasil e a Europa, e que o exemplo do cidadão não votante não recaia sobre nós nas eleições de outubro.

Entre ouro e bananas

(Publicado pelo Instituto Millenium, Epoch Times e Diário do Grande ABC)

A importância da visão externa sobre nossa sociedade é inquestionável. Quando em viagens ao Exterior, costumo conversar com políticos, economistas, estudantes etc para entender sua percepção sobre nosso País. Conversas básicas ou aprofundadas, a oportunidade é sempre interessante para identificar riscos e potenciais que, às vezes, como brasileiros, não conseguimos ver. Neste ano tenho buscado novas opiniões. O que ouvi até agora foi extremamente interessante e, em alguns momentos, perturbador.

Em primeiro lugar, está certo otimismo uma vez que não fomos tão afetados pela crise financeira como a maioria das nações europeias. Reconhecem que a economia brasileira atingiu estágio de estabilidade impossível de se prever há algumas décadas. Veem com bons olhos o que conhecem sobre programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e são otimistas sobre a crescente influência exercida por brasileiros em organismos da ONU. Fico impressionado, e certamente orgulhoso, ao ver como nossa imagem mudou ao passar dos anos: o carinho e a curiosidade pelo Brasil sempre foram grandes, e assim permanecem, mas o brasileiro deixou de ser o turista folclórico e o imigrante indesejado para se tornar o pote de ouro das economias saturadas e recessivas.

Nem tudo são flores. A Copa do Mundo, que desperta ainda mais a curiosidade internacional e o desejo de conhecer nossas praias, é motivo de preocupação para a maioria daqueles com quem conversei. Temem que nada esteja pronto para o evento ou que, como alguns periódicos internacionais reportaram, as condições sejam tão caóticas como aquelas encontradas nos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi (Rússia). A aproximação com a Rússia é inegável para muitos não apenas pelo relacionamento de nossos governos nos Brics. Veem nossos políticos como versão mais moderada do folclórico e corrupto Vladmir Putin. Sentem-se inspirados pela história pessoal do ex-presidente Lula, mas receiam seu apego pelo poder; aprovam a escolha de mulher para presidente, mas temem sua próxima relação com Maduro, Moralles e Kirchner.

As conclusões a se tomar a partir desta narrativa são diversas. A minha é de que nosso País está travado na dicotomia sociedade-Estado, tendo em seu povo e seus empreendedores a força motriz para o desenvolvimento, enquanto o Estado e seus governantes, apesar de acertos consideráveis, teimam em agir como se ainda fôssemos a república das bananas. Cabe a nós, do primeiro grupo, reduzir o peso que o segundo exerce sobre nossas costas.

Melhor economia, pior educação

(Publicado pelo jornal Estado de Minas [15/12/2013], Todos Pela EducaçãoInstituto Liberdade, Instituto MilleniumCorreio da Bahia e Jornal do Brasil)

A problemática da educação no Brasil tem atraído, já há um bom tempo, a atenção da classe política, dos gestores públicos e da sociedade civil. A reforma universitária do governo Lula e as diversas manifestações de 2013 demonstram a crescente preocupação com o tema. Ainda assim, pouco temos crescido com o passar dos anos.

Prova disto é o resultado do recém-anunciado PISA 2012. Trata-se do Programa Internacional de Avaliação de Alunos gerido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 34 países desenvolvidos, além do México, Chile e Turquia, integrados pelos princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado. Neste ranking, que avalia o conhecimento de adolescentes de 15 anos de idade em três áreas do conhecimento, o Brasil ficou em 57º lugar em matemática e ciências e, em leitura, na 54º posição, de um total de 65 países avaliados. Isto significa estarmos atrás de Cazaquistão, Albânia e Malásia.

É verdade, ainda assim, que melhoramos nossos índices em relação à avaliação realizada em 2003. Aumentamos nossas notas e o grau de inclusão no ensino formal subiu de 65% para 78%, quando analisados os adolescentes de 15 anos de idade. O posicionamento no ranking, no entanto, demonstra que a melhora não foi suficiente. Apesar de sermos uma das maiores economias do mundo, ainda somos um dos países mais mal educados do planeta.

Apesar da vergonha internacional, o PISA acaba por nos dar informações interessantes que podem ser úteis aos nossos gestores públicos caso estejam realmente engajados na melhora educacional do país. Um deles está na oferta de escolas por região. Onde mais de duas escolas competiam, os alunos obtiveram índices superiores, de 5,79% em leitura, 8,02% em matemática e 6,12% em ciências. A partir da evidência, percebe-se que a transformação da educação em mercadoria é positiva, pois sob a lógica de mercado, as escolas acabam por tentar oferecer melhores serviços para receber mais alunos.

Outro fator consideravelmente benéfico para nossa educação é a possibilidade de demitir professores ineficientes. Por mais que o tema seja polêmico, principalmente nos entornos do sindicalismo, a evidência demonstra que escolas onde os diretores podem demitir seus professores, os resultados foram superiores em 14,86% na leitura, 15,83% em matemática e 14,79% em ciências. Notadamente percebe-se que o modelo burocrático weberiano, de garantir estabilidade aos funcionários públicos, é inferior ao gerencialismo meritocrático da iniciativa privada.

Esta diferença entre público e privado, aliás, resultou na maior discrepância da análise. Alunos da rede privada obtiveram resultados superiores de 20,45% em leitura, 22,60% em matemática e 20,76% em ciências, demonstrando a ineficiência governamental no provimento educacional. A diferença se mantém mesmo quando descontadas diferenças sócio-econômicas e comparados alunos de patamares semelhantes em relação à renda e espectro familiar, comprovando que a deficiência reside exatamente na origem do provimento.

A lição que tiramos disto tudo é que a solução para a melhora educacional de nosso país reside no mercado e não no aumento da máquina pública. Ainda que existam professores dedicados e competentes na rede estatal, o sistema não colabora e o resultado final acaba deixando a desejar. Por outro lado, também não podemos deixar de auxiliar quem não tem condições de acesso ao ensino. Por tudo isso, mais do que nunca, se faz necessário adotar a cartilha internacional que, seja pelo Banco Mundial ou pela Escola de Chicago, aposta no provimento de educação por meio de bolsas de estudos concedidas para alunos carentes em escolas privadas. Desta forma, os filhos do rico e do pobre terão acesso à educação de qualidade, podendo escolher, com toda a liberdade que o mercado lhes garante, onde querem estudar. Assim, com a ajuda do mercado, poderemos ver no PISA não um motivo de vergonha, mas de orgulho de dever cumprido, tendo apostado na responsabilidade dos pais e na liberdade econômica.

Intervenção e Inutilidade Educacional

(Publicado pelo Instituto Millenium)

A dificuldade em se estimar todas as variáveis envolvidas em um determinado fenômeno acaba por fazer com que intervenções bem intencionadas resultem em cenários piores do que aqueles precedidos pela ação humana. Se a afirmativa se faz valer nas ciências naturais, onde a previsibilidade é bem maior dado a existência de laboratórios onde se busca simular com alta precisão os fenômenos reais, quem dirá nas ciências sociais, onde o mais próximo que se chega são as pesquisas de campo e a formulação weberiana de tipos-ideais.

Uma amostra da problemática reside na preocupação governamental com o aumento do nível educacional do país. De início, é irrefutável que a formação de capital humano agrega valor à economia e tem o poder de gerar desenvolvimento. Não são poucos os estudos que demostraram que, seja a partir do estímulo à alfabetização, ao ensino secundário profissionalizante ou às pesquisas universitárias, uma economia tende a se desenvolver quando possui mão-de-obra qualificada para produzir e criar inovações. A lógica estaria, então, em estimular a expansão do provimento educacional, seja ele no nível que for, almejando a formação de capital humano equiparável ao dos países ricos. Daí a necessidade de aumentar o número médio de anos gastos em educação formal e induzir a população ao ensino universitário.

Para tal, nada mais justo do que permitir a expansão dos conselhos profissionais que, a partir de seu conhecimento de causa, ajudariam a promover avanços progressivos em suas áreas de atuação. A partir de seu fortalecimento e desenvolvimento da profissão, nada mais natural do que garantir reservas de mercado, como a dos advogados por meio da OAB, dos administradores pelo CRA, dos médicos pelo CFM e dos engenheiros e arquitetos pelo CREA. Ora essa, se a American Bar Association agrega quase 400 mil advogados nos Estados Unidos e é reconhecida mundialmente por sua qualidade técnica, por que não reproduzir suas práticas no Brasil? A problemática é que instituições similares, em esferas culturais e sociais diferentes, têm grande probabilidade de resultar em cenários diferentes. Foi o que aconteceu.

Uma das poucas leis universais que se provou irrefutável com o tempo foi a da oferta e demanda. Apesar da divergência entre alguns autores que debatem qual vem primeiro, a oferta ou a demanda, é consenso de que uma está sempre atrelada à outra. Ou seja, se há demanda, potencialmente haverá oferta. E se há oferta, desde que adequada ao contexto social, é grande a probabilidade de que exista demanda. O caso do iPad é clássico. Ninguém demandava iPads antes de sua invenção. A partir de seu lançamento (ou oferta), passou-se a demandá-lo. A demanda exagerada pelo bem estimulou outros empresários a produzi-los (ou ofertá-los).

O mesmo aconteceu na educação. No Ensino Superior, passou-se a buscar não o conhecimento garantido pelos cursos universitários, mas o diploma que permitiria ingressar em uma reserva de mercado – fosse ela para concursos públicos ou para a assinatura de projetos que, dado a influência dos conselhos profissionais, só era permitida àqueles de posse de diploma específico. O caminho natural da lógica demanda-oferta foi a multiplicação das faculdades cuja preocupação não era a qualidade do serviço prestado, mas a garantia de um diploma que permitisse a inserção em uma reserva profissional. O fenômeno que se iniciou no bacharelado é visto hoje efervescente nos cursos de pós-graduação que se espalham como se fossem barracas de pipoca.

O fato não deixou livre o Ensino Médio. Ao passo que o mesmo passou a ser requisito básico para a maior parte dos empregos, multiplicou-se o número de colégios cuja oferta era destinada a garantir diploma ao invés de conhecimento. O fenômeno do Enem tende a ser igualmente perverso: transforma-se o ensino secundário em um curso preparatório para o vestibular, que prepara o jovem para realizar uma prova, mas não garante nem seu conhecimento básico para desenvolver-se em uma universidade, nem garante sua formação como trabalhador.

No Ensino Básico o fenômeno é ainda mais perverso. Em busca da inserção de todas as crianças na escola, melhorando a média de anos de estudo em indicadores internacionais, o país acabou estimulando a multiplicação do analfabetismo funcional, onde, por meio da aprovação automática, alunos chegam ao Ensino Médio sem saber ler ou escrever.

É verdade que a resposta para a problemática não reside no total distanciamento do Estado ou no cancelamento de todas as suas políticas educacionais. Por outro lado, também não está no aumento de sua intervenção. Cabe aos agentes, públicos e privados, definir claramente as necessidades do país em termos de educação. Anos escolares só são úteis se agregam valor à mão de obra. Formação universitária só tem validade se gera inovação. Nunca seremos capazes de prever todas as externalidades causadas pela ação humana, mas podemos utilizar os erros do passado para não repeti-los no futuro.

País do futuro

(Publicado pelo Instituto Millenium)

Parece que após décadas como “o país do futuro”, o Brasil está prestes a deixar o título que, para muitos, era motivo de grande orgulho. Infelizmente para os otimistas, deixamos de ser o país do futuro não por ter crescido, mas pela sequência de decepções que nossa economia tem garantido aos que apostaram em nosso desenvolvimento.

É difícil precisar quando o sonho se transformou em pesadelo. Uma das hipóteses indica que a “marolinha” de Lula, ainda em 2008, estaria relacionada não ao impacto da crise, mas ao comportamento que nossa economia assumiria. Desde então, além do crescimento pífio, colecionamos uma série de notícias na mídia internacional reportando as trapalhadas de nossa equipe econômica (essencialmente do jornal Financial Times e da revista The Economist).

O grande problema é que, com o passar do tempo, o descrédito demonstra não ser apenas uma fase, mas uma tendência longe de chegar ao fim. A quebra de Eike Batista, empresário-exemplo, levou consigo a credibilidade do governo brasileiro, o qual não só financiou sua ascensão como utilizava sua imagem para demonstrar o mar de possibilidades de nosso mercado. Além disso, os protestos contra a corrupção excessiva e a ineficiência do Estado em gerir os projetos da Copa do Mundo têm transformado o potencial do evento em uma grande piada. Prova disto está no New York Times desta semana que ironiza a tentativa brasileira de se preparar para o boom turístico sem conseguir, ao menos, traduzir uma placa de trânsito sem cometer erros graves.

É difícil ter algum otimismo neste cenário. Ainda assim, nem tudo está perdido. Como se diz que o primeiro passo para a cura é reconhecer a doença, o ministro Guido Mantega deu sinais de que compartilha, pelo menos em parte, da visão internacional sobre o momento em que o país vive. Cabe rever seu posicionamento, principalmente aquele apresentado em coletivas com a imprensa. Como já afirmei anteriormente, apresentar metas ousadas para, logo após, assumir sua impossibilidade, acaba sendo mais prejudicial do que benéfico. Ainda que o ganho imediato seja notório, a perda de credibilidade pode ser sem volta. Eike que o diga.

Nossos agentes econômicos devem entender que o mercado não é tão bobo quanto o eleitorado. Sua memória não é curta e os investimentos não chegam por benevolência ou altruísmo. Investe-se em uma economia com credibilidade, que gera retorno e cujos lucros superam os riscos. Visto a ineficiência endêmica de nossos gestores públicos e seus planos econômicos, cada vez mais passo a concordar com o que Diogo Mainardi escreveu para a Veja ainda em 2004: “com menos direitos para os trabalhadores, menos impostos, menos investimentos públicos e menos programas sociais, o Brasil finalmente conseguiria chegar ao século XVIII. Uns trinta anos de capitalismo selvagem poderiam bastar. Uns trinta anos de Adam Smith”. Quem sabe a partir daí poderíamos retomar pelo menos o rótulo de “país do futuro”.

Ainda mais partidos

(Publicado pelo Jornal do Brasil, Folha da Manhã, Últimas Notícias, Instituto Liberdade e Juventude Democratas/MG)

A questão partidária costuma despertar os ânimos até mesmo dos cidadãos mais apáticos. Geralmente contrários à organização vigente, era comum a descontentação com o modelo bipartidário que vigorava durante o período militar e, agora, em tempos de pluripartidarismo — exagerado, diga-se de passagem — reclamam, em coro com a imprensa e parte da classe política, do grande número de legendas que disputam o voto do eleitorado.

Confesso que até certo tempo atrás me incluía no grupo dos descontentes que torciam pela implementação da cláusula de barreira — aquela que há alguns anos prometia dar fim aos partidos nanicos. Não fazia sentido ver trinta grupos diferentes, em sua maior parte sem ideologia específica, que, no final, acabavam servindo apenas como fachada para a ascensão política de novos oportunistas ou para garantir alguns segundos adicionais em campanhas majoritárias na televisão em troca, é claro, de cargos de confiança para seus dirigentes.

Tal visão, no entanto, não me impediu de acompanhar de perto — e até torcer — pela criação de novos partidos. Talvez minha aversão ao sistema partidário vigente não tivesse como causa o número de agremiações mas, sim, suas práticas. Provavelmente, era este o motivo que me deixava tão entusiasmado em ver novos agentes como o Partido Federalista, os Libertários, a Rede e o Partido Novo lutando por seu espaço na política brasileira. Recentemente, mudei de ideia. Não sobre a importância das novas organizações mas em relação a quantidade de partidos em nosso sistema político.

Por recomendação do professor Paul Aligica (George Mason University) tive contato com as obras de Elinor Ostrom, Nobel de Economia em 2009. Basicamente, a economista havia unido a ideia de policentricidade de Karl Polanyi às teorias de ordem espontânea de Friedrich Hayek e livre mercado de Ludwig von Mises, originando seu conceito de governança policêntrica.

A autora apontou que a coexistência de diversos atores em um cenário social — ou econômico — fazia com que, por meio da cooperação e competição, todos buscassem satisfazer ao máximo, se não o todo, pelo menos uma parcela da população. Para tal, no entanto, alguns requisitos se faziam necessários, como a livre entrada e saída de agentes, a existência de regras de conduta e a possibilidade de sua revisão contínua e espontânea por conta de seus agentes, implicando em um modelo onde indivíduos — ou organizações — podem não somente participar do jogo, mas também são incentivados a autorregulá-lo. Neste modelo, avançam os que melhor se adaptam às necessidades sociais e acabam ficando para trás aqueles cuja resposta não é equivalente à realidade vigente, gerando uma constante evolução — inclusive legal — do sistema em questão.

Nosso sistema partidário poderia ser assim. Uma série de partidos, independente da quantidade, se autorregulando e aprimorando a fim de garantir não só o gosto da população mas também sua sobrevivência, ao passo que usariam do aprendizado passado para promover a evolução futura. No entanto, pelo menos um dos pré-requisitos de Ostrom não é respeitado: a livre entrada e saída de agentes. No modelo atual, só existe uma coisa mais difícil do que criar um novo partido: ver um velho sumir.