O Movimento Duplo do PT

(Artigo publicado também pelo Instituto Liberal e no blog do Rodrigo Constantino [Revista VEJA])

Autor conhecido da esquerda internacional, Karl Polanyi (1886-1964) foi um dos fundadores da Sociologia Econômica. Em seu livro mais conhecido, “A Grande Transformação” (1944), narrou seu entendimento sobre a evolução do capitalismo e dos métodos utilizados pela burguesia para se perpetuar no poder. É verdade que boa parte desta obra é panfletária e não pode ser tratada como ciência. Ainda assim, uma de suas teorias, o Movimento Duplo, faz enorme sentido até mesmo na atualidade, cinco décadas depois do livro.

Movimento Duplo do PT (VEJA)

O conceito é simples. Baseado em evidências históricas, Polanyi afirmou que ao chegar ao poder, a burguesia deixava de defender unicamente o mercado – melhor, o livre mercado – e passava a implementar medidas socialistas para acalmar a classe trabalhadora e, a partir daí, se perpetuar no poder. Salário mínimo, previdência pública e carga horária máxima são algumas das políticas apontadas pelo autor para comprovar sua teoria.

A crítica do autor, socialista ferrenho, estava no fato de que aquelas medidas seriam paliativas, intencionadas a evitar uma revolução socialista e, por terem sido adotadas como foram, só serviam para perpetuar a condição de pobreza e submissão do trabalhador frente à classe empresarial – ou burguesa.

Polanyi, no entanto, desconsiderou uma hipótese: será que o mesmo Movimento Duplo também aconteceria nos países governados pela classe trabalhadora? Seguindo a mesma linha teórica, isto significaria que o partido socialista, eleito pelas camadas mais pobres de um determino país, implementaria uma série de medidas para beneficiar agentes burgueses, como bancos, grandes empreiteiras, extratores de minério e frigoríficos a fim de perpetuar sua dominância. Ainda assim, seu objetivo teria sido gerar avanços em uma economia de mercado mas, pelo contrário, perpetuar sua posição soberana sobre todos daquela nação.

Por conta desta intenção, os burgueses beneficiados não necessariamente seriam aqueles cuja produção fosse a mais demandada pela sociedade. Também não seriam aqueles cujos departamentos de recursos humanos fossem os mais benevolentes com trabalhadores contratados. Pelo contrário, seriam os burgueses capazes de, não importa a forma, garantir a permanência daquele partido, dito representante da classe trabalhadora, no poder.

Às vezes me pego imaginando Karl Polanyi se revirando no túmulo vendo, cada dia mais, que a gestão do Partido dos Trabalhadores conseguiu, sem margem de erro, reproduzir fielmente o exato contrário de sua obra escrita ainda em 1944.

Após anos e anos se apresentando com a cara barbuda e suada do sindicalismo brasileiro, o PT se elege com uma carta direcionada a classe empresarial, beneficia o mercado, escolhe a dedo seus aliados burgueses e garante quatro mandatos consecutivos na presidência do Brasil. Entre um Eike e um Odebrecht, aparece um ministro banqueiro como salvador do proletariado que agoniza enquanto milhões, ou bilhões, são enviados para a Suíça.

No final das contas, três coisas servem de consolo: o mundo não é mais esta dualidade burguesia versus proletariado, o PT não representa ninguém e os burgueses corruptos, escolhidos a dedo por Lula e sua turma, cairão um por um até levar consigo os soberanos da dita classe trabalhadora.

A Defesa da Safadeza

Confesso considerar o jornalista Reinaldo Azevedo um tanto radical. Mas gosto dele e, na maior parte das vezes, concordo com o que escreve.

Hoje, no entanto, ele se superou e escreveu exatamente o que eu já pensava em postar por aqui. Assim sendo, é claro, cedo o espaço para re-publicar o que também está neste link do site da revista Veja.

Reinaldo Azevedo (VEJA)

Vocês acompanharam a reação da canalha a soldo, que pratica aquela sordidez que pretende chamar de jornalismo. A reportagem da VEJA, diziam os vagabundos, não passava de uma conspiração para derrubar Orlando Silva. Tudo seria uma grande armação reacionária contra esses notáveis revolucionários do PCdoB.

Taí. O ministro foi demitido. MAS NÃO FOI DEMITIDO PORQUE A “VEJA” QUIS. FOI DEMITIDO POR SEUS ATOS À FRENTE DO MINISTÉRIO. Como bem disse Orlando Silva, quem nomeia e demite ministros é a presidente Dilma Rousseff.

A VEJA, como imprensa que se preza, faz o seu trabalho. Conta ao leitor aquilo que sabe desde que diga respeito ao interesse público.

Mas a revista também tem seus gostos, suas preferências, sim. Gosta de aplaudir, por exemplo, a boa governança; gosta de elogiar as iniciativas que levem à eficiência do serviço público; gosta das práticas que modernizam o estado; gosta das decisões de governo que se pautem pela responsabilidade fiscal e que repudiem a demagogia. Prefere, em suma, o Brasil que respeita a população àquele que concorre para a sua pobreza.

A corrupção surrupia dos brasileiros, estima-se, R$ 85 bilhões por ano. Ninguém em sã consciência e de peito aberto defende a safadeza, a sujeira, o malfeito, a pilantragem. Mas é preciso tomar cuidado com um tipo nem tão novo de corrupto, mas hoje muito influente: O CORRUPTO COM PEDIGREE IDEOLÓGICO.

Nas vezes em que VEJA noticiou malandragens praticadas por representantes de partidos ditos “conservadores” ou “de direita” — e foram tantas em 43 anos! —, nunca se acusou a revista de participar de algum complô ou de ter alguma intenção sub-reptícia. Basta que a denúncia atinja, no entanto, um medalhão da esquerda — ainda que seja essa esquerda que está aí: mais dinheirista do que propriamente ideológica —, então surgem os justificadores da ladroagem, tentando revesti-la de resistência democrática.

Não falo em nome da revista. Não tenho mandato pra isso. Falo em nome de uma cultura, que distingue o interesse público do interesse privado. VEJA continuará a aplaudir as iniciativas dos governos e dos governantes em favor do Brasil e dos brasileiros e continuará a denunciar aqueles que, sob o pretexto de defender o bem público, lutam apenas em favor de seus próprios interesses.

A safadeza, está provado, nao tem ideologia. Mas a defesa da safadeza tem.

O AI-5 do PT

A política brasileira é confusa e na maior parte das vezes controversa mas uma hora a máscara acaba caindo. Foi o que aconteceu neste início de setembro durante o Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores.

Depois de nove anos no poder, mesclando continuísmo com trapalhadas populistas, Lula e Dilma utilizaram o final de semana para exibir José Dirceu como troféu e profetizar sobre a regulação da imprensa.

Um tema estava entrelaçado ao outro. Usaram a denúncia da revista Veja, onde acusava o ex-líder do mensalão de ter criado um governo paralelo a partir de um apartamento em hotel de luxo em Brasília, para afirmar que a “imprensa marrom” estava cometendo crimes contra a privacidade para promover um golpe no “governo do povo”. Transformaram, sem pensar duas vezes, uma grave denúncia em inquisição anti-imprensa.

Fizeram a reportagem morrer e, não satisfeitos, usaram o presidente do PT, Rui Falcão, para trazer de volta à pauta a Lei de Imprensa que, durante a campanha, foi negada aos quatro ventos pela cúpula PTista – que inclusive a deletou de seu programa presidencial ao ver a péssima repercussão da idéia.

Na resolução política do Congresso do PT, o controle sobre os veículos de comunicação é colocado como um dos “desafios do momento”, dando como “urgente abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social”. Afirmam defender a liberdade de imprensa e, se utilizando da conjunção “mas”, atacam “o jornalismo marrom de certos veículos”.

Ora, essa! A gramática é clara: conjunções adversativas (“mas”) “indicam uma relação de oposição bem como de contraste ou compensação entre as unidades ligadas”. Em outras palavras, a liberdade de expressão é “questão de princípio” do PT desde que não seja utilizada para criticá-los.

Caso critiquem, tais veículos de comunicação estarão criando “um clima de imposição de uma única versão para o Brasil” e promovendo “a crescente partidarização, a parcialidade e a afronta aos fatos”.

Assim sendo, os governistas acabaram por identificar como criminosos exatamente aqueles que apontam crimes. Resolveram denunciar exatamente aqueles que eram utilizados para denunciar o regime militar. Definiram a faxina pela ética como secundária, enquanto elegeram como alvo principal a caça aos que discordam. Criaram, a partir daí, o AI-5 do PT.

Neste sentido, caso o absurdo dos absurdos aconteça e a população brasileira permita que a resolução deste congresso se transforme em um dia no AI-5 do PT, será que os governistas perseguirão também o jornalismo pró-Dilma?